.
18 de maio de 1935, no “Diario de Noticias”:
“Lampeão” não quer negocios com a policia da Bahia
Dois minutos de interessante palestra com as mulheres de Mariano e “Jurema”, chegadas, hontem, presas
A vida, para o banditismo, “no outro lado”, está melhor...
.
O DIARIO DE NOTICIAS offerece, hoje, aos seus innumeros leitores, a opprtunidade de uma entrevista com as mulheres de Mariano e “Jurema”, dois dos peores scelerados que teem palmilhado a zona escaldante e longinqua do nordéste bahiano.
São ellas Anna Maria da Conceição, com 23 annos de idade, mestiça, nascida nas Baixas, no município de Geremoabo, e Otilia Teixeira Lima, parda, de 25 annos, estatura média, procedente das caatingas de Poços, distante 15 leguas daquella cidade.
Fomos encontra–las, hontem, na delegacia Auxiliar. Momentos antes, haviam chegado do nordéste, pelo trem do horario, devidamente escoltadas por seis praças da Policia Militar.
.
Anna e Otilia
.
Como foi presa a primeira
Anna foi presa nas caatingas do logar denominado São José, tendo, nessa occasião, recebido dois tiros de fuzil, que lhe perfuraram os braços.
Estava ella em companhia de “Jurema”, “Beija–Flôr”, “Nevoeiro” e “Juremeira”, quando surgiu, inesperadamente, a força volante do sargento Vicente, que, de ha muito, vinha sequindo as pégadas do bando sinistro. Logo que viu os policiaes, “Jurema” rompeu cerrado tiroteio contra os mesmos, que, reagindo valentemente, puseram em fuga os cangaceiros. No embate, que durou poucos minutos, caiu ferida Anna Maria. “Jurema” quis, ainda, soccorre–la, mas, acossado pelas balas, teve que fugir, deixando a companheira nas mãos dos seus perseguidores.
A outra “descansava”...
Otilia estava com o bando de Mariano, na Fazenda “Mucambo”, junto com “Páo Ferro”, “Criança” e “Pai Velho”. Minutos após a chegada do grupo, dois cáibras fôram escalados para arranjar montadas na vizinhança. Foi quando appareceu, de surpresa, o contingente do sargento José Rufino, que, com 15 praças, vinha procurar pousada na alludida fazenda.
Reconhecendo os bandidos, a força entrou a tiroteiar contra os mesmos, pondo–os em fuga, depois de cerca de duas horas de fogo. Otilia estava descansando na casa da fazenda, quando começou a fuzilaria.
Receiosa de ser attingida pelos projectis, alli deixou–se ficar, sendo finalmente presa e conduzida para esta Capital, onde se encontra. Mariano, seu velho companheiro conseguiu, habilmente, cortar a rectaguarda da força, fugindo á chuva de balas que se despejava sobre elles.
Contando a sua vida...
– E ainda dois graças a Deus, de estar aqui! Pensei que a força me fuzilasse, no momento em que fui presa. Ha cerca de quatro annos, ingressei no bando de “Lampeão”. Por essa occasião, o “Capitão” andava lá pelo Raso da Catharina, acompanhado de José Bahiano, “Gato”, Pó Corante”, Mariano, “Bananeira”, “Volta Secca”, “Maçarico”, “Cajueiro”, “Balisa”, “Cabo Velho”, “Nevoeiro”, Luis Pedro, Virginio, “Suspeito” e “Medalha”. Viajava para Poços, com meus dois irmãos, quando deparei o bando do “Cégo”.
Mariano botou os olhos em cima de mim e me ordenou que o acompanhasse. Não tive outro jeito senão seguir. Juntei–me ás outras mulheres e comecei a andar pelo matto, sem pouso, passando fome e sêde, até o dia em que fui presa.
Como ciganos
– E como vivem os bandidos?
– Pelos mattos, dormindo hoje aqui, amanhã alli, comendo carne do sol e ás vezes, um pouco de farinha. Agua arranja–se nas raizes de umbú. Á noite, todos se deitam no chão e embrulham–se com as suas cobertas. Quem tem mulher dorme separado, debaixo de algum pé de paó... É uma vida desgraçada... – concluiu Otilia.
Anna Maria assistia á conversa, com o corpo descansando sobre os calcanhares.
Uma historia de amôr...
– Vivia com a minha familia nas Baixas, cerca de onze leguas de Geremoabo. Um dia, a força do tenente Macedo appareceu por lá e, sabendo aque alli moravam os parentes de “Jurema”, queimou tudo. Até as roças de feijão! Eu era noiva de um irmão de Jurema, que estava no bando de Lampeão, e tinha o mesmo appellido. Vendo–o, a força prendeu–o. E já iam longe, quando o meu noivo, conseguindo intimidar os dois soldados que o escoltavam, fugiu. No caminho, convidou–me para fugir com elle. Aceitei. Dias depois, estávamos no meio do bando de Lampeão. Quis voltar. Não tive mais jeito. Ordem era ordem. Tinha que acompanhar obando. Assisti a innumeros combates, durante estes tres ultimos annos.
... E o peior tiroteio
O peor, porém, – continúa – foi o de Maranduba, onde morreram “Sabonete”, “Quina–Quina” e “Catingueiro”. Foi um tiroteio que durou varias horas. Quase fiquei surda. Eramos seis mulheres e estavamos separadas do bando. Dois caibras ficavam de sentinella comnosco, sempre que havia um combate. Depois, com os córtes da rectaguarda, Lampeão abria caminho e assim podiamos fugir.
Lampeão luta como uma féra!
– E Lampeão vai tambem para a frente?
– Sim, senhor. Lampeão é uma féra. Não tem mêdo de nada. É o primeiro que atira e vai ba frente. Quando eu entrei no bando, Lampeão estava com duas marcas de bala. Uma, no pé, e outra no braço. Foi nessa occasião que “Gato” foi ferido tambem...
Falando sobre o “Capitão”...
– Queremos alguns informes sobre Lampeão...
– O Capitão é de estatura média, bem moreno e cabello castanho. Usa oculos amarellos, pois é cégo de um olho. Traja sempre uma roupa mescla, chapéo de couro e alpercatas. Carrega um mosquetão, uma “parabellum” e tres cartucheiras, além de varios bornaes cheios de bala. Atravessado na cintura, um grande punhal.
Não quer nada com a nossa Policia
Deixei elle agora do outro lado, com varios cáibras, pois a coisa está preta no nordéste.
– E onde é o outro lado?
– Lá, em Alagôas e Sergipe. As coisas lá não são como aqui. Vive–se mais tranquillo e mnos perseguido.
Estávamos satisfeitos.
A verdade, ainda uma vez...
Effectivamente, a situação do nordéste é outra, hoje. O bandido não tem para onde se mexer. Difficilmente, desloca–se de um ponto para outro. A sua acção tornou–se quase nulla. Vive, agora, passando uma vida de miserias...
As novas directrizes traçadas pelo Cap. João Facó e executadas pelos seus auxiliares, na campanha contra o banditismo, lograram, felizmente, verdadeiro exito.
Hoje, já se respira nas caatingas.
Não ha mais aquelle pavor de outr’ora, quando pairava nas caatingas o espectro sinistro da morte.
.
Olá sr. Rubens, tudo bem?
ResponderExcluirSou estudante de história e farei meu TCC sobre as mulheres no cangaço. Lendo o livro de Adriana Guerreiros cheguei ao seu site.
A notícia desse post seria muito interessante como parte das minhas fontes. No entanto, não consigo achar ela na hemeroteca. O senhor poderia me indicar algum meio de consegui-la?
Abraços e parabéns pelo blog!!!
por favor, contacte-me pelo email:
Excluirrubensantonio@gmail.com