27 dezembro 2012

25 de dezembro de 1929, no “Diario Oficial do Estado da Bahia”

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SECRETARIA DA POLICIA
Portaria
O Secretario da Policia e Segurança Publica, no uso de suas attribuições, tendo em vista o art.11 da Lei n.1897, de 2 de agosto de 1926, resolve designar o bacharel em direito João Mendes da Costa Filho, delegado de policia do termo séde da comarca de Maragogipe, para em commissão proceder o inquerito de referencia aos crimes commetidos na Villa de Queimadas, da comarca do Bomfim, por Virgolino Ferreira da Silva, vulgo “Lampeão” e outros, para onde deverá se transportar, afim de apurar as responsabilidades dos seus auctores e bem assim, de quantos prestaram auxilios para a practica desses crimes.
Secretaria da Policia e Segurança Publica, em 24 de Dezembro de 1929
Bernardino Madureira de Pinho
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Como citar
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24 dezembro 2012

Despretoebranquizar o passado

Colorir fotos antigas ajuda a romper um certo imobilismo intelectual ou entraves, em relação à contemplação do passado.
Talvez a expressão nem seja "colorir o passado", mas sim "despretoebranquizá-lo"..
Auxilia-nos rumo a uma percepção mais próxima dos eventos.
Aqui, algumas imagens coloridas e montadas por mim.
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Chico Pereira

Arvoredo

Jararaca

Luiz Pedro

Maria, a Basé, e Lampeão.

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21 dezembro 2012

28 de junho de 1929, no “A Tarde”: Rodovia Itiúba a Bella Vista

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28 de junho de 1929, no “A Tarde”:
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AS RODOVIAS DO NORDESTE
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 Inaugurou–se, entre Itiúba e Bella Vista, uma estrada de trinta kilometros
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ITIUBA, 26 (correspondente epistolar) – A inauguração da rodovia entre esta villa e o arraial de Cóvas, hoje chamado de Bella Vista, foi um acontecimento, que o municipio commemorou com enthusiasmo. O auspicioso facto passou–se domingo, 19 do corrente. Itiuba desde cêdo apresentava aspecto festivo. Dois caminhões e outro automoveis, enfeitados e repletos de senhoras, senhorinhas e pessoas outras de representação social, percorriam as ruas, em meio de grande alegria. A’s 9 horas organizou–se o prestito, que partiu da casa de residencia do intendente, cel. Arestides Simões de Freitas.
O percurso obedeceu á melhor ordem, e foi feito em uma hora e meia, apezar de ser de mais de trinta kilometros a extensão da estrada, que, embora carroçavel, é bem construida e offerece as melhores condições de segurança.
Chegou–se á Bella Vista (Cóvas) ás 10 e meia, quando, então, o rev. Padre Pimenta, vigario da freguezia, celebrou missa, a que assistiu enorme multidão. Finda a cerimonia religiosa, houve vibrante passeata, precedida da musica local. Durante o trajecto espoucavam girandolas de foguetes e ouviam–se estrepitosos vivas ao dr. Vital Soares, deputado Simões Filho e cel. Arestides Freitas.
O regresso foi ás 15 horas, tendo a comitiva chegado, sem o menor incidente á Itiuba, ás 16 e 45.
O cel. Arestides Freitas vem sendo muito felicitado por esse melhoramento, que demonstra o seu interesse no administrar o municipio de Queimadas.
A todas as festas estava presente o deputado Wenceslau Gallo, que recebeu, durante todo o tempo de sua permanencia aqui, carinhosas e merecidas provas de estima.
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Como citar
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19 dezembro 2012

A Força Pública da Bahia

A principal entidade militar atirada, pelo Estado da Bahia, contra os cangaceiros foi a Força Pública.
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A 1 de janeiro de 1929, no “Diario Official do Estado da Bahia”, foi listado o quantitativo do seu contingente.
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FORÇA PUBLICA
PESSOAL
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Officiaes do quadro
1 Coronel
3 Tenentes–Coroneis
4 Majores
1 Major Medico
21 Capitães
1 Auditor
3 Capitães Medicos
24 Primeiros Tenentes
2 Primeiros Tenentes Medicos
1 Primeiro Tenente Pharmaceutico
76 Segundos Tenentes
1 Segundo Tenente Cirurgião–Dentista
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Officiaes aggregados
1 Coronel
1 Tenente–Coronel
1 Major
3 Primeiros Tenentes
3 Segundos Tenentes
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Serviços especiaes
3 Internos effectivos
5 Internos extra–numerarios
2 Mechanicos
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Praças de pret
13 sargentos ajudantes
32 primeiros sargentos
3 primeiros sargentos musicos
168 segundos sargentos
4 segundos sargentos músicos
94 terceiros sargentos
3 terceiros sargentos corneteiros
363 cabos de esquadra
6 cabos corneteiros
72 anspeçadas
32 músicos de 1ª classe
44 músicos de 2ª classe
44 músicos de 3ª classe
21 soldados musicos
1879 soldados
32 corneteiros
38 tambores
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Como citar
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16 dezembro 2012

Ao Chefe de Polícia de Pernambuco, em 28/08/1927

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Telegramma, em 28 de agosto de 1927.
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“As ordens que vossencia me transmittiu no telegramma do dia 15, foram pontualmente executadas, sendo continuo e prompto para cumprir as instrucções de vossencia, sem, neste particular, medir a consequencia. Conforme scientifiquei a vossencia, em telegramma da mesma data tinha incumbido o tenente Hygino de effectuar uma diligencia para captura dos bandidos José Torto, vulgo “Caneta”, e José Rosa, vulgo “Candinho”. O dito official, incansavel no cumprimento do dever e das nossas determinações, acaba de chegar a esta cidade. O resultado da empresa que fôra confiada excedeu a minha espectativa, na importancia pois, capturou os  bandidos seguintes: “Caneta”, “Candinho”, João Torto e Nicodemos Cordeiro de Moraes, vulgo “Nico”, todos pronunciados por morte em Taracatú, Alagoas, conforme a exposição de vossencia, e mais Bezerra vulgo “Luiz Helena” e Manoel Luiz, vulgo “Manoel Helena”, criminosos de morte, este no municipio de Marcos; Gaudencio Sá, vulgo “Maçarico” criminoso de morte em Triumpho, afora os crimes praticados em outros municipios, o que vou syndicar, Querino Neto, criminoso de morte no municipio de Flores, sendo assim ao todo oito scelerados. É mais uma prova do interesse excessivo dos nossos auxiliares, no intuito da completa extinção do banditismo na zona sertaneja de acordo com os desejos de vossencia, O tenente Hygino informa que a na zona do Riacho do Navio não existe o menor roteiro do grupo do famigerado Lampeão. Major Theophanes Torres, de Villa Bella.
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Como citar
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Uma cantoria de cangaceiros - 1927


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Em um combate, em 1927, no Município de Flores, em Pernambuco, a cantoria dos cangaceiros foi anotada pelos policiais:
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O tenente Pedro Malta
Já pedio demissão
Tá com medo do galope
Do rifle de Lampeão

Côro
Ai! mulher rendê.
Ai! mulher rendá.
Que chora por mim não fica
Soluço vae no “borná”


As meninas de Villa Bella
São pobres mais tem acção,
Botam queijo e rapadura
No “borná” de Lampeão

Côro
Ai! mulher rendê.
Ai! mulher rendá.
Que chora por mim não fica
Soluço vae no “borná”


Minha mãe quero dinheiro
P’ra comprar um cinturão
Para sustentar o rifle
Do valente Lampeão

Côro
Ai! mulher rendê.
Ai! mulher rendá.
Que chora por mim não fica
Soluço vae no “borná”


O riacho do Navio
Já encheu e já vazou
O tenente Frederico
O diabo carregou

Côro
Ai! mulher rendê.
Ai! mulher rendá.
Que chora por mim não fica
Soluço vae no “borná”


O meu rifle não engasga
No cangaço, sou doutor
Amadeu é vingativo
“Manél” Gome é corredor

Côro
Ai! mulher rendê.
Ai! mulher rendá.
Que chora por mim não fica
Soluço vae no “borná”

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Como citar
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15 dezembro 2012

Telegramma. 26 de novembro de 1926

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Villa Bella, 26
As forças alcançaram os bandoleiros no logar Morada distante daqui sete leguas.
Desde as nove horas rompeu cerrado tiroteio já havendo diversos feridos.
As 13 horas ainda continuava a luta.
Sigo urgente, conduzindo medicamentos e munições.
Assig. Theophanes Torres, capitão.
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Como citar
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Telegramma à Secretaria da Policia e Segurança Publica - 15/08/1929

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Telegramma Secretaria da Policia e Segurança Publica da Bahia
De Quixabas - 68-136 - 18 de agosto de 1929
Dr. Secretario Policia - Bahia - (...) Tenho informar vossencia que Alfredo Barbosa teve em sua protecção muitos tempos os criminosos Hortencio Gomes Lima vulgo Arvoredo, Christino Gomes Lima vulgo Corisco, Faustino Gomes Lima conhecido ultimamente por Pae velho, irmãos Novatos, sendo que Hortencio acha-se armado fuzil (mauser) offerecido por Alfredo Barbosa, os demais eram merecidos tambem por sua valiosa protecção, tanto assim ultimamente Faustino, vulgo Pae Velho, achava-se homisiado fazenda Alfredo Barbosa. Foram roubados diversos animaes conduzidos para a fazenda do citado Alfredo Barbosa e alli foram vendidos por Faustino e bem assim anda grande centenas de pelles de creações furtadas e mortas pelos remettentes Curisco, Hortencio, João Ribeiro Silva, Manoel Ribeiro Silva vulgo Chileleu, Silvestre Gomes Lima, Ambrosio Gomes Lima e Manoel Gomes Lima vulgo Pé-na-meia, sendo estes tres ultimos filhos de Faustino, irmãos de Hortencio por intermedio de Pedreo Gomes Lima vulgo Judioca cujas pelles entregues a Faustino e vendidas a Pedro Borges em Bejo do Catuny tambem protector, sendo que Alfredo Barbosa sabia occorrido conforme, quando presos filhos Faustino e parentes, aqui relataram, bem assim comparsa tambem bandido Manoel Ribeiro Silva, vulgo Chilileu, conforme sciente vossencia por telegramma pt. Lembro vossencia que os irmãos Novatos foram presos primeira vez em Jaguarary a mando Capitão Arthur Cortes por ordem vossencia alli resistiram prisão, constando que Alfredo Barbosa naquella occasião requera habeas corpus em favor mesmo no Estado Pernambuco logar Boa Vista para onde tinham sido remettidos voltando mesmos a residir Jaguarary protecção Alfredo Barbosa, occasião Curisco e Hortencio achavam-se sobre protecção Alfredo Barbosa, tanto que deante denuncia Hortencio tambem preso em Joazeiro Alfredo trabalhou soltura voltando Hortencio residir fazenda seu patrão, onde varias vezes policia perseguiu-o juntamente Curisco e Faustino de tudo isso Alfredo era conhecedor. Esse Alfredo Barboza que quer defender não ser protector de bandidos muito concorreu para defender os bandidos da cadeia que hoje acham-se no grupo Lampeão. Lembro ainda vossencia que os irmãos Novatos criminosos eram reforço com toda certeza de Lampeão neste Estado e protegidos escandalosamente por Alfredo Barbosa em Jaguarary quaes ja tinham sido asseclas do grupo no Estado de Pernambuco por alcunha “os grandes” que tudo expuz a vossencia. Saudações.
(a) Tenente Waldemar Lopes Commandante Contingente

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Como citar
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Carta de Pão de Assucar, Alagoas, ao Presidente da República - 23 de junho de 1926



PÃO DE ASSUCAR, 23 DE JUNHO DE 1926



EXMO PRESIDENTE DA REPUBLICA, COVERNADORES DOS ESTADOS, PRESIDENTES DAS ASSOCIAÇÕES COMERCIAES:


– Os abaixo firmados, autoridades federaes e estaduaes, commerciantes e proprietarios em Pão de Assucar, Estado de Alagoas, inspirados pelo nobre sentimento de humanidade, irmanados no soffrimento atroz dos seus irmãos, victimas indefezas das depredações, incendios, assassinios, violencias, espancamentos, estupramento, praticados pelo sinistro grupo de bandoleiros, chefiados pela féra vil e desforme por alcunha “Lampeão”, ainda espectadores das ruinas, cicatrizes, lamentações dos orphãos deshonrados e dos que ficaram em completa miseria, recorrem aos Governos dos Estados, ás Associações Commerciaes e aos bandos precatorios para um justo e valioso auxilio, soccorrer as miserias implantadas e para a restauração dos escombros do Commercio dospovoados de Olhos, Caboclo, Serrote da Furna e Tapera, pontos cardeaes, fadado ao campeio da horda de cannibaes.
Appellamos para a imprensa Brazileira, nossos patricios e patricias e lançamos o nosso brado de angustia e desejo para a obtenção da importancia de cento e cincoenta e oito contos quantia esta comprovada e julgada por peritos idoneaos, para a restauração do commercio sinistrado, para a expulsão da fome dos flagellados e para enxugar as lagrimas copiosas derramadas por nossos irmãos conflagrados. Para authenticar os horrores e o requinte de pervesidade demonstrado, é sufficiente indicar as photographias dos escombros estampadas nas revistas do Paiz e expor o caso do assassinato do proprietario Manoel Soares, que procurando evitar o estupramento de sua filha que pedia soccorro, foi sangrado miseravelmente, sendo apresentado o cadaver, em regosijo de tão bestial acção. Innumeros desatinos praticados, seria prolixo communicar.
A commissão agradecida pelo caridoso apoio que nos proporciona para esssa meritoria Caridade, roga encarecidamente que as esportulas sejam enviadas directamente ao sr. presidente da Associação Commercial de Alagoas.
Foram tomadas as providencias pelo homem de rija tempera governador Costa Rego, que não poupou esforços em extinguir o tetrico grupo, o que infelizmente não logrou, em face da tamanha velocidade que foram feitos os assaltos.
Os nossos sentimentos ajoelham–se agradecidos, com uma prece ao Creador, pelo animo que offerecem aos deshonrados de ventura.
Com estima e consideração subscrevem–se

Manoel Pastor da Veiga, Manoel Campos, Manoel Rego, Alvaro Simas
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07 dezembro 2012

10 de janeiro de 1929, no “Diario Oficial do Estado” da Bahia

Diligencia, ferimentos, louv, promoção, pezames e exclusões sor por fallecimento
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Segundo telegramma do Sr. Capitão José Galdino de Souza, dirigido ao Exmo. Sr. Dr. Secretario da Policia e Segurança Publica e por essa autoridade remettido, por copia, a este Commando, dera–se no dia 7 do corrente ás 9 horas do dia, no povoado de Aboboras, municipio de Jaguarary, um encontro da força comandada pelo 2° Tenente Odonel Francisco da Silva com o grupo do bandido “Lampeão”, travando–se, ali, uma lucta de cerca de uma hora, da qual sahiram feridos o 2° Tenente Odonel Francisco da Silva, o 2° Sargento Manoel dos Santos Vieira e o soldado Octacilio José de Senna, tendo perecido na acção os soldados Manoel do Nascimento de Souza e José Rodrigues da Silva, constando haver fallecido um dos parceiros do terrivel fascinora, achando–se outros feridos.
Entre os seguintes ferimentos recebidos pelo 2° Tenente Odonel Francisco da Silva e 2° Sargento Manoel dos Santos Vieira; o primeiro, no terço inferior do braço esquerdo proximo á articulação do cotovello e olecrana, Produzido por projectil de arma de fogo, com orificios de entrada e sahida; o segundo – ferimento produzido por projectil arma de fogo, no terço medio do braço direito com fractura do humerus e com orificios de entrada e sahida.
Louvo ao 2° Tenente Odonel Francisco da Silva, ao Sargento Manoel dos Santos Vieira e ao soldado Octacilio José de Senna, por terem revelado, como ficou cabalmente provado, a comprehensão exacta dos seus deveres de mantenedoras da ordem publica  bravura incontestavel que é o apanagio das classes armadas.
Na forma do art. 33 do R.F.P.E.B. promovo ao posto de cabo d’esquadra, por acto de bravura o soldado Octacilio José de Senna.
Dou pezames a esta Força, pela perda dos soldados Manoel do Nascimento de Souza e José Rodrigues, valorosos elementos que tombaram sem vida no cumprimento do dever, e determino, pelo motivo referido, as suas exclusões do estado efectivo do 3° e 1° Batalhões, respectivamente.
Ainda, de accordo com a determinação do Exmo. Sr. Dr. Secretario da Policia e Segurança Publica, promovo ao posto de cabo d’esquadra, “post–mortem”, de acordo com a Lei em vigor, os soldados Manoel Nascimento de Souza e José Rodrigues da Silva, que foram victimas do cumprimento do dever.
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Monumento no povoado de Abóbora:


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05 dezembro 2012

Chico Pereira


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28 de dezembro de 1927, no "A Tarde":
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Chico Pereira

Quem é o terrivel cangaceiro parahybano

PARAHYBA, dezembro ( Agencia Brasileira) – Tem sempre algo interessante o estudo da psychologia dos bandidos. Não nos propomos a fazel–o aqui, comtudo queremos hoje destacar a personalidade extranha do cangaceiro Chico Pereira, agora em fóco com o cerco que a policia parahybana lhe poz em Páo Ferrado, nas proximidades da cidade de Pombal, no alto sertão.
Chico Pereira é um admirador dos heroes do Far West americano. Usa chapéo de abas largas, pistola á cinta, pesadas cartucheiras, lenço vermelho ao pescoço, tudo de mistura com o muito nortista punhal e bordadas alpercatas.
Monta admiravelmente e gosta das situações difficeis, parecendo até haver escolhido a vida do cangaço pelo prazer dos arriscados desportos.
Pertence a conhecida familia sertaneja. E’ um typo insinuante e galanteador, possuindo mesmo alguma instrucção.
Ha tres annos passados, num assomo de desmedida bravura, assaltou em pleno dia a grande cidade de Souza, levando centenas de contos em dinheiro, joias e mercadorias.
Passaram–se os tempos e já ninguem se lembrava de Chico Pereira.
A semana passada, porém, o delegado de Pombal, tenente Manoel Benicio, teve denuncia de que o famoso campeador da caatinga estava homisiado bem perto da cidade, no lugar Páo Ferrado, acompanhado apenas por Manoel Mendes, seu companheiro de crimes. Era mais uma demonstração de sua doentia paixão pela lucta.
Commandados por aquelle official, nossos milicianos fizeram o cerco da casa onde elles se encontravam. Ambos dormiam. Despertados pela fuzilaria reagiram logo vigorosamente.
O cerco foi se apertando, pouco a pouco.
Depois... depois... os bandidos se eclypsaram...
O delegado explica o occorrido. Infelicidade. Da policia, está claro.
Dois soldados se encontravam proximo a uma das portas da casa assediada. Em dado momento um delles tombou fulminado com certeira bala no coração. O outro se manteve no arriscado posto por algum tempo. Seu fuzil (fuzil Mauser), dos mais modernos, “mentiu fogo” e, para não ter a mesma sorte de seu companheiro, o soldado recuou.
Chico Pereira e seu collega de aventuras aproveitaram a opportunidade.
Assim réza o communicado official...
Esse Chico Pereira parece que já trabalha em fita de série...
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Como citar
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Ps... Foto de Chico Pereira colorida por Rubens Antonio.
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23 de agosto de 1927, no “O Imparcial”

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O RASTRO DE LAMPEÃO
Um depoimento vivo e palpitante do guia do terrível faccinora
As ameaças do bandido

FORTALEZA, 2 (Impacial) – Pelo Correio – A passagem de Lampeão pelo territorio cearense constitue algo de interessante e, ao mesmo tempo, impressionante. A respeito, publicou o jornal “O Ceará” uma carta do sr. José Gonçalves da Silva, que serviu de guia do terrivel faccinora, e que encarra algumas novidades. Damos a seguir o depoimento vivo e palpitante:
“Lampeão chegou á minha casa por volta das duas horas da tarde, muito vexado, para continuar a viagem dizendo que ia descansar em Pernambuco, pois desde que saiu de Parahyba, pois desde que saiu de Mossoró, em virtude de não conhecer o terreno, não havia descansado.
Disse que nunca viu força tão atrevida.
Ia muito sujo e tinha companheiros que havia um mez que não mudavam a roupa, a qual era de kaki novo, mas toda rasgada de pontas de páos.
Sobre o fogo do logar “Felicidade”, disse:
“Brigamos um bucadim, quatro horas mais ou menos, vendo a hora de me vê pegado.
Mas felizmente tinha um lado tomado pela força da Parahyba, que tomado pela força de Pernambuco, que muito bem conheço a dispuzição della.
“Arroxei séro e fugi facilmente, todo caipóra argum dus mininos
Sobre o combate de Missão Velha, disse:
“Neste fogo num dei um só tiro.
“Izaia fez a boa com nós.
“Mandou nós pra uma manga aonde demoramos oito dia, e no fim deste tempo elle mandou deixá a cumida como de custume. Mas, desta feita, uma mosca assentou na nossa ureia e os mininos arretiraram uns buracos e disseram! Os cumida travoza dus diabos!
“Eu mandei que elles deixassem a cumida, que a cuspissem e dei a cada uma uma canéca de garapa de rapadura, elles nada tiveram.
“Eu tinha cumbinado cum Izaia prá quando eu uvisse um tiro ir recebê a munição qui elle mi premetera.
“Dei o tiro e ante de ir mandei um dos mininos assubi num pau e vê o que havia.
“O rapaz assubiu e adispois mi disse: Seu capitão tão é tocando fogo é noc ercado.
“Mandei, então, que todos se apreparasse prá sahi, ainda tinha um lado du cercado ainda verde mas era um cipual medanho qui nos deu trabaião pá rompê.
“Antão me puz de parte e elles começaro a atirá e a gritá:
“Viva meu padim Cirço.
“Ah diabos! Antão, meu padim nus havia de mandá nos atacá, quando eu não faço nada cum o Ceará?!
“Izaia não soube nem envenená a cumida, purque botou veneno de mais que deu prá nós conhecê.
“Mais este Izaia me paga, inté as pédras se encontram.
“Nós vae aqui cuma uns mizeraves, mas um dia eu dou um conhecimento nesta gente.
Perguntado porque não deixava a vida de bandoleiro, respondeu:
“Quá! Não é pussive, não. Sou muito conhecido em toda a parte e não tenho aonde me escondê.
“Voiu vivendo assum inté quando Deus fôr servido.
Quando “Lampeão” com seu grupo passou para o territorio pernmbucano disse:
“Mininos, agóra, podem vadiá qui isnamos pizando no qui é nosso”.
Começaram a cantar o “Côco” e a “Mulher rendeira”.
Havia no local muita pedra. Então, Lampeão disse o seguinte: “Si tudo isso fosse bala eu matava era soldado cuma avoante na bebida”.
Deu a entender que nada tinha feito no Ceará, mas por causa de Izaias se via obrigado a fazer, e era logo.
“Lampeão” trazia quatro rifles e dois fuzis de sobrecellencia.
Alguém, por ultimo, lhe dissera:
Realmente, capitão, o senhor tem comido é fogo!
Ao que elle respondeu:”Eu nunca mi vi tão apertado cuma agora no Ceará”
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Como citar
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02 dezembro 2012

O mais antigo filme sobre o Cangaço

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27 de novembro de 1929, no “Diario de Noticias”:
UM “FILM” SOBRE LAMPEÃO, CONFECCIONADO NA ZONA INFESTADA PELO BANDIDO MALVADO E COVARDE
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A CINEMATOGRAPHIA GRAVA OS CRIMES DO BANDIDO
Estamos numa epocha em que factos de tamanha sensação não podem ter a sua descripção limitada ao registro da imprensa; elles, graças á divulgarização da cinematographia, são mostrados, ao vivo, ao povo.
Em todo o mundo civilizado assim occorre, com a modernização dos novos processos de reportagem. Todo o mal que o bandoleiro faz ás nossas populações sertanejas é salientado, mediante uma reconstituição de scenas verdadeiras, honestamete feitas, nos proprios locaes onde ellas se verificam e mediante o testemunho de pessoas sabedoras dos factos. A empresa Nelli–Film, bahiana, se incumbe da organização dessa pellicula sensacional.
E’ DIFFICIL DISTINGUIR–SE QUAL O CRIME MAIS PERVERSO
O reporter soube da confecção desse “film” e tranto investigou que acabou encontrando o sr. José Nelli, chefe da empresa. Palestraram. O industrial relatou as difficuldades que teve de vencer, da deficiencia de personagens aos trabalhos de reconstituição.
– Qual o crime de maior sensação?
Fica–se na duvida. Virgolino tem cem requintes de malvadez. E não é um valente nem um heroe. Assassina covardemente, para roubar ou por mero prazer.
– Posso, porém, dissenos o sr. Nelli, dizer–lhe que a morte da mulher queimada que se avantaja a tudo. Pretendera ella envenenar Lampeão, que, desconfiado, descobriu o ardil e ordenou que, amarrada a uma arvore, della fizessem uma tocha humana. Realizou–se, assim o homicidio. No cinema, isso é de grande effeito.
A ENGUIA DA CAATINGA
– E por onde andou filmando:
– Pela zona do Rio do Peixe, Queimadas, Serrinha, etc. Apanham–se os factos “in loco”, sob o rigor da verdade.
– Que diz da acção da policia?
– Que procura atacar o grupo.
Essa caça faz–se com grandes sacrificios, porque Lampeão é como a enguia: some–se sempre na caatinga, fugindo.
– Tem reproduzido combates?
– Oh! diversos, bem como passagens curiosissimas, a que serve de moldura uma excellente natureza, prodiga em scenarios.
E claro que teremos de solicitar o auxilio da Policia. Mostrado o bandido, é indispensavel divulgar o que tem sido a acção dos seus perseguidores implacaveis.
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No clichê acima, á esquerda a filmagem e á direita uma cena de combate.
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Como citar
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26 novembro 2012

"Arvoredo", o cangaceiro. Alguns subsídios para sua história.


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Cangaceiro Arvoredo, que a população local e os demais cangaceiros chamavam "Alvoredo", tinha por nome Hortêncio Gomes da Costa. Também ficou conhecido, por assim se identificar, como Hortêncio Gomes da Silva, Hortêncio Gomes de Lima, José Lima e José Lima de Sá.
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Depoimento de "Arvoredo", quando preso. 1927, copiado em extrato em inquérito policial de 1929:
José Lima, (que é o mesmo Hortencio Gomes de Lima ou José Lima de Sá, vulgo “Arvoredo”) estava;em Juazeiro, onde foi preso a pedido da autoridade policial de Jaguarary, alli;chegou a 5 sendo ouvido em auto de perguntas. Declarou “ser filho de Faustino Gomes, vulgo “Banzé” e Maria de Jesus, natural de “Salgado do Melão”; que dalli partiu;com destino a São Paulo, encontrando–se em Varzea da Ema com João de Souza,;(Cicero Vieira Noia) seu conhecido e João Baptista (que é o mesmo Christino ou “Curisco”); que em caminho se encontraram com Manuel Francellino, vindo em sua;companhia para Jaguarary, pernoitado em casa delle os tres; que moraram cerca de oito dias em casa de Antonio Piahy, até que alugaram uma casa a Demosthenes Barboza, por intermedio de João Baptista, seguindo na terça feira, 30 de Agosto para Juazeiro, a negocios, sendo alli preso na sexta feira ultima, dois do corrente; que antes de chegar á “Santa Rosa” com seus companheiros de viagem, o de nome João Baptista propoz para todos mudar de nome, ficando o depoente com o de Jose Lima, lembrando–se tambem que depois de se acharem nesta Villa, com João Baptista e João de Souza ou Cicero, foram á cidade de Bomfim, alli se hospedando na pensão de Piroca, por indicação do cel. Alfredo Barboza; que pretende não se juntar mais com João Baptista e João de Souza, caso se encontre ainda com os mesmos, pretende se retirar desta Villa depois de pagar o que deve ao senhor coronel Alfredo Barbosa”. (fls.208–210).
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De depoimento da mãe de "Arvoredo", colhido em inquérito policial, em 1929:
"Maria de Jesus e tambem da Conceição, mulher de Faustino Gomes da Costa (“Banzé”) ou “Pae Velho”, do grupo de “Lampeão) foi ouvida nesta mesma data e affirmou que ha tres mezes reside em “Olhos d’Agua”; que o apellido de “Arvoredo” foi posto em Hortencio por seus irmãos, quando era pequeno; que tem cinco filhos – Hortencio, Ambrosio, Raphael, Sylvestre e Manoel, vulgo “pé de meia”, os quais têm sobrenome de Gomes da Costa que Hortencio tem, alem deste nome, o de José Lima; que seu filho “Arvoredo” acompanha “Lampeão”, por ser amigo de infancia de Christino, conhecido por João Baptista da Silva, vulgo “Corisco”; que João Baptista é filho de Firmina, empregada na fabrica de linhas da Pedra, Estado de Alagoas e Manoel de tal, já fallecido, na Matinha de Agua Branca, com parentes residentes na fazenda “Sitio”, de Salgado do Melão."
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Como referência não tanto inédita, mas completamente esquecida no estudo do Cangaço, ressurge aqui informação de que Pae Velho, o cangaceiro que morreu junto com Mariano e Pavão (que na foto abaixo aparece equivocadamente denominado Zeppelin), era pai do também cangaceiro Arvoredo.
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Outro ponto discutido é se "Arvoredo" e "Corisco" eram primos.
Estes trechos, tirados de inquérito policial com o depoimento de dois dos irmãos de "Arvoredo", confirmam este ponto:
"Declararam, então Raphael Gomes da Costa, filho de Faustino Gomes da Costa e Maria de Jesus que: “seu pae é criminoso em Santo Antonio da Gloria; que seu pae ha pouco chegou em Salgado do Melão devido á perseguição da força contra o mesmo; que no grupo denominado “Lampeão” tem os parentes Hortencio Gomes de Lima ou José Lima de Sá, vulgo “Arvoredo”, irmão do depoente, e Christino de tal, vulgo “Curisco”, ex soldado da policia de Sergipe, primo do depoente; que o grupo de “Lampeão” ha cerca de um mez fôra visto no “Serrote da Macambira”, de Santo Antonio da Gloria, com destino a Sergipe, de cujo grupo constavam entre outros, “Lampeão”, Curiscu, Arvoredo, o menino conhecido por “Volta Secca” e outros; que “Arvoredo”, seu irmão, já lhe escreveu por duas vezes e mandou recado convidando o respondente a fazer parte do bando “Lampeão” que tambem já mandou fazer esse convite. Perguntado que respostas deu a esse convite, respondeu que por hora ainda não decidiu nada.”
José Gomes da Costa fez quase identicas declarações, referindo tambem que recebera convite de “Arvoredo” e “Lampeão” para fazer parte do seu bando, não tendo ainda resolvido nada a respeito."
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Arvoredo morreu em 26 de maio de 1934, na serra, próximo à estação ferroviária da Barrinha, por então conhecida como Angicos.
Os dois matadores foram Cícero José Ferreira, o Xisto, que nasceu em 1911, e João Biana da Silva, que nasceu em 1913.
Uma imagem cuja dificuldade para conseguir foi grande, mas, graças ao senhor Raimundo, de Jaguarari, ex-cunhado de João Biano, e a gentileza imensa da filha e do filho deste valente matador de Arvoredo, aqui a única foto existente... de João Biano:

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Muito chamado por "João Biana" é uma alteração posterior ao evento da morte de Arvoredo.
O nome correto é João Biano da Silva.
No texto de Oleone Fontes, em seu livro "Lampião na Bahia", aparecem os matadores citados como Xisto e João Martins da Silva... Este erro apenas reproduz o cometido pelo coronel Alfredo Barbosa, de Jaguarary, que, à época do evento, relatou-o, errando no nome de João.
João Biano está enterrado na Fazenda Saco, em Jaguarari.
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Partícipe, com o amigo João Biano, na morte do cangaceiro Arvoredo, esta é a única foto restante de Cícero Ferreira, o Xisto.
A dificuldade para se conseguir esta foto foi imensa, mas, finalmente, graças ao sobrinho de Xisto, Messias, e à filha adotiva daquele, a "Neguinha", consegui esta imagem.
Xisto está sepultado na Fazenda Mulungu, em Jaguarari.
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Sepultura do cangaceiro Arvoredo, em Jaguarari:

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Sepultura do cangaceiro Arvoredo, em Jaguarari - detalhe - AC = Arvoredo Cangaceiro:

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Como citar
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09 novembro 2012

O Combate de Abóbora - Relatório do tenente Odhonel


O Relatorio do Tenente Odhonel
"No dia 7 parti ás 5 horas com destino á fazenda Arapuá, onde, no dia anterior, o bandido com o respectivo grupo havia deixado a cavalhada em que viajava e tomado outra. Convem salientar que depois da morte do sargento Miranda o perigoso grupo não viajou mais a pé.
Da fazenda Arapuá segui para o povoado de Abobora em cujas proximidades cheguei ás 9 horas com 8 praças, inclusive o sargento, por terem as outras se atrazado. Ainda encobertos pela caatinga, apeiamos amarramos os animaes, e, como de costume, mandei fazer o serviço de reconhecimento, designando para isto o sargento e o soldado Octacilio José de Senna, e com as demais praças fui seguindo na mesma direcção.
Pouco depois retorna o soldado Octacilio pedindo-me, da parte do sargento, mais dois homens que mandei, acompanhando-os, com o restante, á pouca distância. Ao sahirmos na esplanada, em cujo centro se acha o cemiterio, isto junto ao povoado, descobri o sargento amparado no muro do referido cemiterio, observando. Pergunto-lhe o que ha, e elle me responde:
- “Lampeão está na terra”.
Neste momento e á nossa vista, certamente prevendo combate, a feira que alli então se realizava debanda em formidavel correria e ao mesmo tempo os bandidos nos alvejam.
Deitamo-nos e entramos em acção. O solo descampado e plano não offerecia o menor abrigo. Depois de alguns instantes de fogo, 4 dos bandidos atrevidamente se levantam sempre atirando e procuram nos contornar, dois por um flanco, dois pelo outro.
Neste momento fui ao flanco esquerdo trocar o mosquetão que trazia por um fuzil. Voltei ao ponto em que estava. Como os bandidos cada vez mais se approximassem fui, de novo, ao flanco esquerdo, e então me diz o sargento não poder mais combater por estar ferido, em condições de não suster a arma; quando isto ouvia sou também ferido. Continuo no entretanto a combater e a encorajar os meus commandados. O sargento se retira em direção á caatinga e 3 soldados o acompanham. fiquei com o soldado Octacilio e mais duas praças. era o momento culminante. Os bandidos se aproximam mais e mais e o soldado Octacilio recebe um ferimento na cabeça e atordoado se retira.
Vou concitar os 2 restantes á resistência e os encontro mortos. Esta, portanto, só.
Amparo-me no muro do cemitério e eis que deparo num angulo do mesmo muro com um dos bandidos e alvejo-o: este cae ou se deita.
Contorno o muro e, no outro angulo deparo com outro bandido: alvejo-o e elle cae parecendo morto. Os demais bandidos investem sempre. Recuo um pouco e tomo posição atraz de um tronco e resisto alguns minutos. era, porém, impossivel continuar. Levanto-me e penetro na caatinga, onde fui acomettido de uma tontura que me prostrou certamente devido à perda de sangue. Quando púde me levantar encontrei pouco adiante o soldado Octacilio, depois os outros e finalmente os demais que se aproximavam.
Acolhemo-nos em uma casa onde, passado algum tempo, compareceu um velho dizendo haver recolhido o sargento ferido. Mandei buscal-o. Pouco depois fomos até o povoado e no respectivo cemiterio enterramos os dois companheiros mortos. Soube no povoado ter um dos bandidos passado por alli, morto e carregado nos braços pelos demais: crio tratar-se do 2, que alvejei no angulo do muro.
Ás 15 horas deste mesmo dia seguimos para a estação de Barrinha onde chegamos ás 23 horas, tendo, no dia seguinte, ás 8 horas, seguido com as praças do meu comando para Bomfim em caminhão que fora para isso designado. Ahi, eu e os dois soldados feridos recebemos os primeiros curativos pelo dr. Antonio Gonçalves.
Na manhã de 10 do corrente cheguei a esta capital pelo trem do horario.
Terminando, devo dizer a V.Ex. que o procedimento do sargento Manoel dos Santos, do soldado Octacilio José de Senna e dos dois fallecidos é digno de franco elogios. Souberam cumprir seu dever."
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10 outubro 2012

11 de fevereiro de 1929, no "Diario da Bahia"


Grupo carnavalesco "A procura de Lampeão"
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Como citar
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25 de janeiro de 1929, no “Diario de Noticias”


25 de janeiro de 1929, no “Diario de Noticias”:

“Prendam o homem – Ó LAMPEÃO!”

O tabaréo viu um gajo parecido com o bandido e pôs o Taboão em polvorosa

Quem, um dia, quiser dar–se ao trabalho de saber qual a rua mais movimentada da cidade, ponha uma cadeira no Taboão e fique na espectativa.
Milhares de pessoas descem e sobem a conhecidissima ladeira, durante todo o dia, a qualquer hora.
Pois bem. Foi numa hora de intenso movimento – ás 13 horas, – hontem, que, de repente, se ouviu um berro enorme:
– “Seu” guarda, prenda esse homem que é Lampeão!
A noticia correu mundo. E lá veio gente de todo lado, policiaes, guarda–civis, etc.
Casas commerciaes cerraram as portas.
E o denunciante, um velho, ia atrás do pseudo–Lampeão gritando!
– “Prenda o homem! É Lampeão! Eu o conheço do sertão!
O povo bradou o classico “lyncha”! e os policiaes agarraram o pobre homem aos solavancos, levando–o á 2ª Delegacia.
Ahi, naturalmente, desfez–se o engano e o pobre homem, que infelizmente nasceu parecido com o famoso cangaceiro, foi solto, mas depois de moido, puxado, surrado.
Em tudo isso, lamenta–se apenas uma ignorancia que não se concebe: Lampeão está na Bahia, passeando no Taboão.
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Como citar
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05 outubro 2012

24 de abril de 1929, no “Diario de Noticias”

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O governo da Bahia e Lampeão
Afinal de contas onde está a verdade do sr. Madureira de Pinho?
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Os nossos confrades do “Jornal Pequeno”, de Pernambuco, tendo lido quanto o sr. Madureira de Pinho expos no sei relatório, acerca da campanha contra “Lampeão”, descarregam–lhe no seu numero de 4 do mez corrente, um desmentido que nos envergonha.
Mas como sua alma, sua palavra, damos em seguida, sem mais commentarios, um trecho daquelle jornal do Recife:
“Apenas o secretario do governo bahiano procurou ás forças do seu Estado em operações durante poucos mezes em Pernambuco, logo após a conferencia dos chefes de policia, um relevo que, francamente, as mesmas não tiveram. Diz por exemplo o sr. Madureira de Pinho:
“Lampeão e os seus comparsas, perseguidos nos sertões de Pernambuco pela força em collaboração de varios Estados, inclusive a Bahia, que, além dos 300 homens de guarnição ás fronteiras, envia até ahi um contingente de praças vieram internar–se na referida região bahiana”.
Ora, a Bahia nos primeiros mezes do governo Estacio Coimbra, apenas mandou para o nosso Estado 100 praças de policia, distribuidas que foram em Floresta, Cabrobó e Gamelleira.
Sua acção foi limitada não tendo jamais entrado em contacto com os bandoleiros. Nem as praças bahianas, nem as de qualquer outro Estado, signatarios do convenio policial, entraram em fogo com o grupo de Lampeão, dentro do nossos territorio.
Apenas o contingente alagoano, no Ceará, portou–se bravamente ao lado das forças pernambucanas, em varios encontros com bandidos.
Uma vez tão somente, os soldados bahianos estiveram prestes a combater: quando destacados em Gameleira, em número de 50, para lá o grupo de Lampeão, reduzido já a 20 homens, se dirigia. Assim mesmo o capitão Avila, commandante bahiano, telegraphou ao dr. Souza Leão, pedindo auxilio da tropa pernambucana o que lhe foi dado, motivo pelo qual os bandidos retrocederam.
É esta uma rectificação que julgamos de justiça ser feita, para que outros não fiquem julgando dever Pernambuco ao esforço de outros Estados a extincção completa do cangaceirismo em seu territorio.
Até mesmo a prisão do bandido Beija–Flor, na occasião que procurava atravessar o rio São Francisco, que a policia bahiana reivindica para si, a mesma foi effectuada por soldados do destacamento pernambucano sob o commando do tenente Optato Gueiros. Assim não repouza em factos concretos a affirmação do illustre dr Madureira de Pinho, de auxilio porventura prestado a Pernambuco pela policia do seu Estado.”
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Para utilizar as matérias deste blog, atentar para:
Como citar
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01 outubro 2012

25 de janeiro de 1927, no “O Combate”

25 de janeiro de 1927, no “O Combate”:
Papeis invertidos
Lampeão não depredou Limoeiro... Mas a força parahybana quasi arrasa tudo!
Uma sensaccional entrevista com o prefeito daquella cidade
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FORTALEZA, 25 [Agencia Brasileira – Pelo Submarino] – O prefeito de Limoeiro agora chegado do interior, tem sido alvo das attenções dos reporters e dos photographos avidos de detalhes sobre a invasão dessa cidade pelo bando de Lampeão.
Depois de vaias recusas resolveu o mesmo falar aos jornaes e da forma seguinte:
Reporter: – Poderia descrever a acção de Lampeão em Limoeiro?
Prefeito: – Com muito gosto. Este bandido esteve, de facto, em Limoeiro, onde passou um dia e uma noite, esta numa fazenda afastada umas tres legoas da cidade.
Manda a justiça que se diga não ter elle nem qualquer dos seus homens praticado a menor depredação, nem desrespeitado a quem quer que fosse.
Excessos mesmos, de quem bebe cachaça, e que é uma coisa natural nessas gentes, elles não praticaram alli,
Reporter: – Mas, dizem, entraram na cidade ovacionando as autoridades.
Prefeito: – É certo que invadiram aquella localidade dando hurralis ás autoridades, como tambem é veridico ter sido a sua primeira ordem: aqui não se pega naquilo que não for nosso.
Reporter: - Constou aqui que o senhor teria estabelecido perfeita cordialidade com Lampeão.
Prefeito: - Lampeão, ao penetrar na cidade, mandou me solicitar uma audiencia especial, e, coisa interessante marcava, elle proprio, logar e hora para a realisar.
Em virtude do mêdo reinante, e procurando poupar o municipio ao saque, accedi em ter contacto com o cangaceiro. Fui muito bem recebido.
A principio, um certo respeito, depois fui tratado com muita gentileza lá ao modo do facinora, que não tardou a se acamaradar de uma maneira petulante. Mais ou menos senhor da scena, jogou com o seu intento: - precisava de dinheiro e queria o. Recursei seccamente o pedido. Elle insistiu, tendo nova recusa de minha parte. Tornou a insistir, obrigando me a dizer lhe que eu não tinha dinheiro e que o municipio tambem não tinha um real. Voltou-se para o seu ajudante de campo, um tal Sabino e disse:
- “veja só! a gente pede, torna a pedir de bons modos e recusam, quando se rouba gritam...”
A ameaça era grave e, a despeito de me pegar de surpreza não fez com que perdesse a minha presença de espirito. Depois de dar um passeio vagaroso pela quadra onde estavamos os tres pergunta me:
- “onde anda o Moysés”
“O major Moysés, respondi, não estava em Limoeiro, no momento”
Novo passeio terminado com a seguinte phrase: - Não estou satisfeito, por que não gosto de vir ao encontro de alguem ou de alguma coisa para se rmal succedido. Se encontrasse o Moysés teria que ajustar com elle umas contas velha...” Depois de assim monologar despediu-se dizendo me que pensasse sobre o dinheiro.
Mais tarde encontram-nos de novo.
Eu ia com o padre Guedes, e Lampeão com o Sabino. Lampeão abordou me de novo. Exigiu dez contos de réis. Tornei a recusar, mas notei caracteristico movimento contrafeito de Lampeão, que olhou para Sabino. Offereci-lhe dois contos, de minhas economias.
Neste momento o “ajudante de campo” interrompeu a conversação dizendo:
“Ué... dois contos... isso, moço, não é dinheiro p’ra nós...”
Tinha um ar de mofo e deboche, despido de qualquer affectação e midos de seu indifferentismo por quantias pequenas.
O padre Guedes compreendeu tudo e voltando para Sabino bateu-lhe no hombro, num gesto de camaradagem e disse-lhe: - “É pouco, mais o que se pode dar, antes pouco que nada.”
Lampeão riu-se e reolveu acceitar os dois contos de reis.
Não os trazia commigo, mas fiquei de dal-os mais tarde. Ja estavamos partindo quando o cangaceiro falou:
- “Dois contos, mas numa condição: precisamos de balas e vocês nol-as darão.” Retruquei logo: deste artigo não ha aqui na praça. Caso se convença da sua existencia me avise para que possa intervir no sentido de ser satisfeito seu pedido, e – com todo geito, prosegue o prefeito o ia evando o bandido. A minha prudencia chegava mesmo a me causar impressão. Já tinhamos andado quando Lampeão voltando se disse
– “Olhem: podem avisar por ahi que me responsabilisarei por tudo que tomarem os meus homens, salvo bebidas, pois, não as reputo genero de primeira necessidade.
Reporter: - Quando se foram os bandidos.
Prefeito: - Muita esperança tivemos de que mal recebesse os dois contos partir-se, mas dali foram aalmoçar a contento, todos elles, e depois, correram ás casas commerciaes adquirindo do melhor e pagando tudo por altos preços, sem regatearem.
Á tarde desse dia Lampeão deu donativo para a igreja e em frente desta, cercado de toda a garotada local, deu a seguinte ordem: - “Despejem esses bolsos de nickels e pratas aqui. Vocês não são burros de carga!”
De facto, sem a menor repulsa, todos despejaram  seus bolsos que estavam abarrotados de prata e nickel. Em seguida passou a fazer – galinha gorda – com a meninada. Emquanto esta luctava e se esmurrava, Lampeão e os seus riam-se á vontade divertindo-se a valer, com os meninos. Foi tanto dinheiro jogado ás creanças a despeito de seu grande numero a que menos logrou apanhar pratas colhei dez mil réis. Antes disso já havia dado esmolas aos cégos e aleijados, de cedulas de dez mil réis.

Lampeão e bando em Limoeiro

Foi, no adro da igreja que fui ter com Lampeão para lhe entregar o dinheiro. Recebeu-o e ia guardal-o quando adverti:
“É conveniente contar.”
Retrucou:
- “Qual nada. Não costumo tratar com que não seja serio”.
Creia que me revoltava tudo aquillo, mas, soffria calado as affrontas para poupar a cidade ao saque.
Guardando o dinheiro disse ainda:
“Confio no senhor. Em seguida trato a bolsa de couro, a tira collo.
Com dificuldade a abriu e não menor foi a para conseguir que o dinheiro coubesse lá dentro, pois a mesma estava transbordando de cedulas graudas. Já declinava o dia. Todos nós convenceramos que, ao receber dinheiro elle levantasse acampamento. Qual nada, e travo ia continuar, para mim e todos os dalli.
De repente disse-me.
– Preciso falar para Aracaty, á noite é preciso que o telegraphista não avise coisa alguma. Quero ir consigo.
A hora aprazada lá estava Lampeão na estação telegraphica – Falou: o direto para Aracaty, ordenou para o telegraphista:
- “Repita a ligação para Russas.
- Não posso, pois não tenho linha livre...
- Reputa já disse...
E como o telegraphista tentasse subtilmente isolar o apparelho.
Não desligue o apparelho... quero falar com Russas.
Foi feita, afinal, a ligação, e, veio se a saber estarem alli forças da Parahyba. Cheio de raiva, mandou que pedisse o rapaz do telegrapho confirmação da noticia. Esta veio. Sem que ninguem esperasse falou alto:
- “Vou defender esta cidade”!
E incontinente passou a dar ordens a Sabino. Foram expedidas patrulhas, distribuidos piquetes nas estradas e atalhos da região. Tudo aquillo impressionava a todos, pois o homem se revelava tão conhecedor do lugar como nós mesmos.
Antes dessas ordens voltou-se para mim e disse:
“Bóta tudo p’ra fora. Aqui só fica eu, voce e aquelle senhor.
Referia-se ao telegraphista. Não precisava pedir nem dar ordens. Todos comprehenderam pela entonação da voz do bandido que elle estava fulo de raiva.
A meia hora que se seguiu foi para mim de angustias. Por todos os meios convencer o faccinora que elle não devia insistir em ficar alli. Mostrei-lhe que só quem tinha a perder era a população. Alleguei o modo por que tinha sentido tratar. Emfim depois de uma grande discussão acabei convencendo o homem que devia partir.
Lampeão chamou novamente Sabino transmittiu lhe contra-ordem, a qual foi recebida com contrariedade da parte deste.
Exigia, porem, que lhe indicassemos uma fazenda onde pudesse pernoitar com os seus homem, garantindo elles, que não sofreriam nem a fazenda nem os seus moradores. Era questão de palavra.
Indicaca a fazenda, partir Lampeão seguido de seus companheiros.
Era um pesadello que parecia passar.
Reporter: - Tinha, mesmo, força em Russas?
- Prefeito: - Sim tinha. Mas, antes não tivesse esta sob o commando de tenente parahybano. Quelé deu entrada no outro dia pela manhã, em Limoeiro onde praticaram todas as sortes de desatinos.
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10 de agosto de 1927, no “Diario da Bahia”

10 de agosto de 1927, no “Diario da Bahia”:
A HORDA SINISTRA
A organização do bando de Lampeão
O ataque a Mossoró
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Sabendo recentemente chegado do nordeste brasileiro, zona infestada pelos bandoleiros do famigerado Lampeão, o academico Raul Fernandes, filho do prefeito da cidade de Mossoró, fomos á sua residência, á Rua do Tijolo 21, no sentido de obtermos esclarecimentos sobre o recente assalto áquella próspera cidade pelos bandidos da trinca sinistra Lampeão – Sabino – Massilon, ora colligados para a consecução funesta do devastamento e inquietação do nordeste brasileiro.
Apresentados pelo seu collega Aurelino Navarro, recebeu–nos o academico Raul Fernandes, amavelmente, e para logo se dispos a nos prestar todos os esclarecimentos precisos, offertando–nos tambem farta documentação photographica do que foi o assalto a Mossoró.
– Que pode nos dizer do assalto a Mossoró e da organização do bando de Virgulino?
– Desde que esta hora de vandalos vagueia pelos sertões nordestinos, disse o nosso entrevistado, é esta uma das coisas que mais desperta o interesse publico: saber da organização do bando, de como vivem e qual o seu ideal.
Durante a minha recente viajem de Natal para este porto, faziam–me a bordo, repetidamente estas perguntas.
Acho–me felizmente apparelhado para respondel–as, uma vez que conversei largamente com um dos bandoleiros, Jararáca, mortalmente ferido no ataqu a Mossoró.
A organização do bando é a mesma das sociedades primitivas. O chefe, capitão Virgulino, occupa este lugar porque (declaração de Jararáca), é o mais velho do grupo, o que tem mais dinheiro, o que melhor atira e o que “tem melhor tino no combate”.
– Quaes os auxiliares de Lampeão?
– O seu lugar tenente é o Sabino Leite, seguido por Massilon, ambos 1°s Tenentes no bando. A seguir vêm Jararáca, (hoje morto), Colchete, (tambem morto), Az de ouro, Chá preto, Candieiro, Pinga–fôgo etc. Alguns destes appellidos de guerra partem de superstições como o de “Rio preto”, nome de um celebre negro da Parahyba, malfeitor consummado e que todos acreditam piamente, “bala não lhe entrar no couro”.
– Que nos diz do physico destes homens e do seu gráo de ferocidade?
– Todos são homens validos, apresentando os caracteres de audacia e menosprezo pela vida, que a penna fulgurante de Euclydes da Cunha tão bem plasmou na sua “Troya sertaneja” immortal.
Verdadeiramente selvagens, na sua marcha pelos sertões postam–se como acabados cannibaes na desvastação pavorosa de tudo que lhes entrave o passo.
– Qual a impressão que faz do bando o povo dos sertões?
– No nordeste a palavra Lampeão causa panico é pronunciada entre demonstrações de odio e pavor. Durante os assaltos praticam os bandidos toda sorte de atrocidades. Matam, roubam, saqueiam, devastam: não respeitam as donzellas e até creanças têm sido sacrificadas.
Os soldados que lhes cáem nas mãos são sangrados impiedosamente.


– Como procedem para “requisições” de dinheiro?
Só aos chefes assiste o direito fazer taes requisições, e uma particularidade interessante dos combates é a seguinte.
Toda vez que tomba morto um dos bandidos é destacado um companheiro para tirar–lhe as armas. Foi assim que foi ferido Jararáca, quando vier, descoberto, ousadamente tirar as armas do seu camarada Colchete, morto durante o assalto.
– E a disciplina é solida entre os bandidos?
A não ser nos momentos do perigo não obedecem aos seus chefes, fazendo cada qual por si nas occasiões de saque e de pilhagem, quando praticam, como afiancei ha pouco, toda sorte de atrocidades.
Ao que nos consta, os bandidos usam um fusil mauser modelo 1908, arma privativa do exercito!
– Perfeitamente; usam deste typo de fusil, punhal longo, bornaes, e cartucheiras com capacidade para 100 balas. A roupa em geral é kaki; chapeu vistoso e alpercatas. São muito vaidosos dos seus trajes e quasi que o luxo das vestes é uma caracteristica da posição elevada que cada bandido occupa no grupo.


Jararáca quando foi preso trazia ricas alpercatas e meias de seda. Contou que fôra reservista do exercito e telegraphista por muitos annos.
– Sabe se os bandidos têm signaes que os orientem nos combates?
Sim, têm um corneteiro e usam uma especie de codigo, combinação de tiros repetidos ou espaçados que lhes indicam posição, proximidade do inimigo, etc. Quando em desncanço costumam contar suas façanhas e tambem dançar e canta o ccôco “Mulher rendeira”, ao som de um realejo cujo côro é o seguinte:
Ê mulhé rendeira
Ê mulhé rendá,
A volta de Lampeão
Crua é p’ra se daná...”
– A propósito, é verdade que padre Cicero protege Lampeão?
– É sabido e notorio isso e Jararáca, em seu depoimento, disse que quando o grupo opera no Ceará, abriga–se nas fazendas dos coroneis Souto e Ferraz e quando está no Pagehú seu refugio é a caatinga.
– Mas afinal qual o objectivo de Lampeão, qual o seu “ideal”?
– Narrou Jararáca que Lampeão declarava sempre que o dinheiro que adquiria era para comprar os officiaes das policias que o eprseguem e tambem pretende fazer a sua independencia, indo residir em Goyas. Alguns dos bandidos adheriram ao grupo por satisfazerem vinganças, outros por decidida propensão para o crime.
– E agora, quanto ao ataque a Mossoró?
– Minha cidade natal soffreu dias terriveis de angustiosa inquietação desde que recebeu o prefeito as cartas ameaçadoras do bandido exigindo 400 contos e avisando do proximo assalto. A cidade preparou–se como poude para a defesa, armando–se a população civil, retirando–se as familias e levantando–se trincheiras, como documentam as photogrphias que apresento. Chegou o dia do assalto e o rezultado foi a fuga dos bandoleiros abandonando um morto e um ferido, ficando varios delles perdidos no matto como soubemos depois.
– Soubemos que foi energica e efficaz, heroica mesmo a acção do Cel. Rodolpho Fernandes?!
– Sou suspeito para falar da acção de meu pae, ma so povo de Mossoró é testemunha de que elle soube cumprir o seu dever.
Estavamos satisfeitissimos com as declarações do jovem Raul Fernandes e demos por terminada a nossa entrevista, agradecendo–lhe a bôa vontade com que nos ouviu.
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A titulo de curiosidade reproduzimos aqui o “ultimatum” de Lampeão ao prefeito de Mossoró, e a resposta deste:
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Cel. Rodolpho
Estando eu até aqui pretendo é dinheiro. Já foi um aviso ahi para o senhor, se por acauzo resolver mi a mandar me a importancia que nós pede Eu envito de Entrada ahí, porem não viado, esta importancia eu entrarei até ahi penso que Adeus querer eu entro e vai aver muito estrago, po isto se vir o dinheiro eu não entro ahi mais mande resposta logo.
Capm. Lampeão.
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Virgolino Lampeão
Recebi o seu bilhete e respondo–lhe dizendo que não tenho a importancia que pede e nem tambem o Commercio O Banco está fechado tendo os funccionarios se retirado daqui. Estamos dispostos acarretar com tudo o que o Sr. queira fazer contra nós. A cidade acha se firmemente inabalavel na sua defesa confiando na mesma.
Rodolpho Fernandes
Prefeito
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17 agosto 2012

25 de setembro de 1926, no “Diario de Notícias”:


Os terriveis auxiliares do facinora Lampeão

Antonio Ferreira, irmão do bandido, é considerado mais perverso do que elle!

Os leitores já conhecem, de sobra, a carranca enfezada do famoso Lampeão, e, modéstia á parte, se a conhecem, devem–no á incansavel reportagem do Diario de Noticias, que a publicou, de primeira–mão, depois de consegui–la por intermedio de um representante nosso, nos sertões de Pernambuco.
Irão conhecer, hoje, porém, a mascara tigrina de um irmão do bandido, e de um irmão que é considerado por todas as victimas do misero bandido, como mais perverso, mais hediondo e ainda mais requintadamente brutal do que Virgolino.
Trata–se de Antonio Ferreira, que, ainda ha pouco, em terras do Ceará, rechou ao meio uma criancinha de 1 anno, a machado, porque o pai da mesma, o dr. Virgilio Castro Moreira, feito prisioneiro, se recusou a entregar ao scelerado uma carta para a agencia da Companhia Standart Oil, em Fortaleza.
Os leitores ahi têm a fera no alto destas columnas.
Mirem a sua physionomia, e tremam de saber que similhante monstro pisou terras bahianas no mês passado.
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Como citar
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1928 - Cangaceiros presos em Recife

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Em 1928, a repressão aos atacantes de 1927, a Mossoró, no Rio Grande do Norte, havia já acumulado algumas prisões.
Nesta imagem, alguns cangaceiros que participaram do evento e já se encontravam presos e concentrados em Recife, em outubro de 1828.
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15 agosto 2012

Morro do Chapéu...

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21 de outubro de 1929, no “Diario de Noticias”:
Lampeão e Corisco continuam a fazer inquietas e sobresaltadas as populações sertanejas da zona centro do Estado.
A POLICIA ADOPTA NOVO PLANO
Consoante o texto do telegramma transmittido ao sr. Chefe de Policia pelo delegado de Morro do Chapéo, Corisco e o grupo sob o seu commando foram batidos no municipio de Morro do Chapéo, tendo a luta se travado ás 11 horas da noite de ante–hontem, sabbado.
– A força policial, composta de quinze praças e auxiliada por civis devidamente armados, sob a direcção do delegado, encaminhou–se corajosamentepara o ponto, onde se suspeitava surgisse o grupo sinistro, entretendo–se ahi o tiroteio, durante tres horas consecutivas, até que os cangaceiros fugiram, batidos, deixando armamentos, munições, cantis etc.
CORISCO BATIDO EM MORRO DO CHAPEO
Convencida, agora, de que os bandidos se acham effectivamente divididos em dois grupos, do que lhe deu certeza terem occorrido, nas mesmas horas, o tiroteio de Morro do Chapéo e a façanha de Quebrado, a Chefia da policia, ao que sabemos, vae mudar de plano, já tendo, nesse sentido, telegraphado aos commandantes das forças volantes, dando as necessarias instrucções, a serem observadas dagora por deante.
Aguardemos, portanto, os resultados da nova estrategia, dentro de oito dias em plena execução.
Correspondência de Lampeão para o coronel Benta, de Morro do Chapéu:
"Ilm. Sr. Cel. Antonio de Benta. 
 Estimo suas Saudações. 
Cel., paçando eu nestas midiações Não fiz prano de paçar por ahi divido a lhi respeitar pois seio que o Sr. É um homem muito de Bem e seio que não mi É contaro apois não pretendo faer mal alguns, a estas ondas por este mutivo espero e confio no S.,. apois tenho muitas Boas informações de si, para commigo portanto não tome por prevenção esta paçage minha por aqui sinto mui não lhi mandar uma lembrança apois V.S. conhece minhas condições. Quero receber uma lembrança de ci espero e confio muito no Sr. dispaxe este logo que vou viajando. Disponha deste menor amigo
Virgulino Ferreira Lampeão.
mande mi alguma noticia si já tem do sertão, mesmo Lampião."
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Localização de algumas referências do Cangaço


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Mapa da região de Morro do Chapéu, com a localização da Fazenda Cercado, onde os cangaceiros pernoitaram, antes de desistir da incursão à Chapada Diamantina e se retirarem. Foi o ponto mais a sul, na Bahia, a que chegaram.
Somente o subgrupo de Azulão conseguiu ir mais a sul, mais tarde, cerca de 20 quilômetros, em outro sítio.
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Coronel Antonio de Souza Benta, pintado pelo artista Prisciliano Silva, por encomenda pelo farmacêutico José Aurelino Brito. Nascido em 1868, preparou Morro do Chapéu para resistir a Lampeão. Esta pintura mostra sua aparência à época do evento. - Imagem gentilmente cedida por Antônio José Dourado Rocha.
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Acima, o coronel Antonio de Souza Benta, à época em que bloqueou a passagem de Lampeão. Ao seu lado, o coronel Francisco G. Matos, o Chico Matos, comerciante, comprador e revendedor de diamantes, primo do coronel Horácio de Matos. - Imagem gentilmente cedida por Antônio José Dourado Rocha.
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Depoimento de senhor que prefere ainda não identificar, de Morro do Chapéu:
"De Lampião tem um caso interessante... quando ele esteve em Morro do Chapéu, e não conseguiu passar... O major Arnóbio Soares Bagano foi personagem de um interessante encontro com o Lampião, na sua fazenda Garapa, bem às margens do rio Jacaré. Em 9 de julho de 1929, quando o bando de Lampião, pernoitou na Fazenda Cercado, que dista vinte e um quilômetros da cidade de Morro do Chapéu... Em seguida, achando que tinha uma armadilha para ele, em Morro do Chapéu, preparada pelo coronel Benta, que tinha mesmo se armado e se preparado para combatê–lo, fugiu, em direção a Sento Sé... Passando pelo Garapa, nas margens do rio Jacaré, pregou um grande susto ao major Arnóbio Soares Bagano, que fazia a sesta dormindo em uma rede de caroá, amarrada em uma árvore... Ele foi despertado com alguém balançando a rede assim, pela corda... O major virou e ficou sentado na rede, olhando... Depois de algum tempo disse:
– Com quem estou falando?
– Tá falando com o capitão Virgulino Ferreira, o Lampião!
O major, fingindo surpresa, perguntou:
– É esse que mata mais que Deus? Me dá então um abraço apertado pra ver se eu morro logo!
Aí, com essa brincadeira, o major Bagano descontraiu o ambiente... Ainda mais que foi logo avisando:
– Não tenha receio! Estão chegando uns rapazes, mas são empregados da fazenda e não há perigo...
O major Bagano ofereceu coco, laranja e comida a Lampião e aos cangaceiros... e ficaram de prosa... Os cangaceiros gostaram de um rifle... pegaram e levaram, mas pagaram.
Em seguida, quando iam embora, pegaram dois animais da fazenda e Lampião disse:
– Esses vão voltar... mas os que os macacos tomarem não voltarão...
E partiram."

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Velório de Coronel Antônio de Souza Benta. em 1946. Nascido em 1868, chefiou a preparação, em Morro do Chapéu, para combater Lampeão, que chegou a 21 km da cidade, em 1929. No centro da foto, ao fundo e ao lado direito do caixão, com veste quadriculada, sua esposa Honestina Virgilia Benta.
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Como citar
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10 agosto 2012

27 de novembro de 1929, no “A Tarde”:



No Rastro dos Bandoleiros
As proezas de Lampeão e de seu sinistro bando num film

O sr. José Nelli, conhecido operador cinematographico, resolveu fazer um grande film de divulgação das façanhas de Lampeão e do seu terivel bando.
O intuito do sr. Nelli é, revivendo os moticinios e scenas de vandalismo do faccinorara apresental–o tal qual elle é: simplesmente um animal senguinario. Para isso o sr. Nelli esta percorrendo todo o nordeste reconstituindo os crimes de Virgulino.
Os clichês acima mostram a estação de Rio do Peixe e uma scena do film.
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08 agosto 2012

Cangaceiros aprisionados

Alguns cangaceiros,  ainda no auge do Cangaço, escaparam da quase certa morte nas mãos de policiais, jagunços e mesmo populares. Acima, fotografia obtida na Casa de Correção, em Salvador, Bahia, em 1933.
São três cangaceiros aprisionados: Bananeira, Alecrim e Relâmpago.
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07 agosto 2012

21 de março de 1927, no “A Tarde”


O padre Cicero continua a mandar e desmandar lá nos seus adustos domínios de Joazeiro, no sertão cearense.
Alçado á categoria de super–homem pela ingenuidade do caboclo nordestino, o velho sacerdote tem, ali, um desses prestígios formidáveis que dominam populações, moldando–as ao sabor de sua vontade.
Para o sertanejo, maior do que o padim pade circo – só Deus.
E elle, por isso, faz o que entende apoiado por milhares de homens fanatizados.
O clichê que estampamos acima é bem uma prova desse absolutismo do chefe cearense: – representa uma nota de 10.$000, corrente em Joazeiro, impunemente, apezar de provir de emissões clandestinas, feitas ali.
E quem quizer saber quanto vale este dinheiro que tem a effigie do padrinho, ridicularize–o á vista de um caibra de chapéu pancada e Pajahu de Flô á cintura...

21 julho 2012

Herculano Borges... A Vingança de Corisco



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A raiz mais antiga da história aponta para uma ascendência mais antiga pernambucana, que migrou para a Bahia no final do século XVIII, aparecendo a família em 1812, em Monte Santo, na Bahia, com Rafael dos Anjos.
Este era proprietário de uma posse de terra na fazenda Abóbora, onde, mais tarde, se desenvolveu o cenário de um embate em que morreu o cangaceiro Mergulhão.
A partir daí, a família se espalhou rumo  Uauá e Vila Nova da Rainha, com Joaquim Cardoso da Silva Matos, filho de Rafael dos Anjos, sendo avô de Francisco Borges.
Entre seus descendentes destacaram-se os Borges de Sá, de Uauá, dentre os quais emergiram sete prefeitos dessa cidade.
Entretanto, o filho de Francisco cujo nome assumiu maior significado na História do Cangaço foi Herculano Borges, nascido em Uauá, cerca de 1894.
Herculano Borges, que se casou com Maria Ossanta Borges Salles.
Foi este Herculano Borges que, em 1931, aos 37 anos de idade, foi trucidado por Corisco...
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2 de outubro de 1931, no “Diario de Noticias”

.Um negociante cortado em postas!

Corisco e seu grupo torturaram uma ex–autoridade policial

GUERRA IMPLACAVEL AOS BANDOLEIROS ATÉ QUE O SERTÃO SE LIBERTE DA PRAGA SINISTRA

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Santa Rosa é um districto de paz do ex–municipio de Jaguarary, ultimamente annexado a Bomfim, de onde dista cerca de 12 léguas. Não é um lugar prospero: caracteriza–o o abandono em que jazem as localidades do Nordeste, onde apenas as feiras conseguem offerecerum pouco de vida, de movimento, de intensidade commercial, um dia em cada semana.
Em Santa Rosa residia o sr. Herculano Borges, sobrinho do coronel João Borges de Sá, de Uauá. Negociava com relativo exito, vivendo vida corrente e tranquilla com sua mulher e filhas. Era estimado e possuia amigos. Nada mais que isso desejava, para se considerar feliz.

NO “INDEX” DO BANDIDO
Um dia, indicaram–no para as funcções de subdelegado local. Relutou elle em aceitar, porque não era politico: disseram–lhe que esse seria um relevante serviço que ia prestar ao Governo e á população local, cooperando na campanha empenhada contra Lampeão.
Herculano Borges pensou melhor e aceitou o cargo; no exercicio do mesmo, fez–se uma autoridade util áquella campanha, trazendo o sicario apertado e, por isso mesmo, caiu–lhe no ról das pessôas condemnadas.
Além disto, o seu tio coronel João Borges de Sá é velho inimigo de Virgolino, tendo–o mettido, certa feita, na cadeia, em Uauá, quando elle era, apenas, tropeiro de Delmiro Gouveia.

PRIMEIRO, OS BENS INCENDIADOS
Lampeão, chefe dos bandidos, e como tal tido e obedecido por elles, conseguiu, ha tempos burlando a vigilancia da autoridade de Santa Rosa, penetrar, de surpresa, nessa localidade.
Herculano mal teve tempo de fugir com a familia, numa inevitavel viagem desabalada, vindo a fixar residencia, com suas cinco filhas menores, na cidade de Bomfim. Mas perdeu quanto possuia. O grupo sicario quebrou, espatifou, os moveis do seu perseguidor policial; na loja que elle possuia, praticou um saque de vandalos e depois, ateou fogo á casa com todo o “stock” nella existente.
Era o inicio da vingança.
Herculano experimentou, assim, o castigo de haver sido um homem de bem, que não compactuou com o crime, na sua vida de cidadão. Ficou residindo em Bomfim, não sem ir, de vez em quando, a Santa Rosa, menos para enfrentar o risco ou matar saudades, que por irrecusavel necessidade de alli commerciar, na feira local, ás sextas feiras, como negociante ambulante.

A ESMAGADORA SURPRESA!
No dia 19, penultimo sabbado de setembro, Herculano Borges, feita a feira na vespera, regressava, pela estrada quente, interminavel, a serpentear entre capoeiras sombrias, descampados nús de vegetação, a subir encostas fatigantes e a descer serrotes. Vinha montado e trazia suas mercadorias no lombo da burrama docil á voz do “pagem”...
Fazia calor e Herculano, cansado da viagem, fez uma parada, Apeou. Perto havia uma “cacimba”. Para ella encaminhou–se e, descuidado, pensando certamente na familia, que ia revêr satisfeito, abaixou–se mitigando, no fio claro dagua corrente, a sêde que lhe seccava a garganta.
Surpreendeu–o nessa posição o tropel de cavalleiros inesperados. Elle voltou–se, na convicção de que talvez se tratasse de algum caixeiro viajante. Mas, não; a divida durou o tempo de um relampago, porque alguem, do grupo, despertava–o para a negra realidade:
– Cel. Herculano, levnte–se para morrer, que vocês está com “Corisco” pela frente”

VERDADEIRO SUPPLICIO
Era, realmente, aquelle grupo composto do emulo de Lampeão, e de mais 9 cáibras, que detinham o infeliz sertanejo.
O crime deste era não ser “coiteiro”, era o de haver servido á sociedade contra salteadores e assassinos; era o de haver cumprido com o dever que assiste a todos os sertanejos, nessa luta contra os bandidos de Lampeão.
Não descreveremos o supplicio pelo qual padeceu, como um martyr christão, o sr. Herculano Borges.
Amarraram–no.
Cortaram–lhe os braços.
Cortaram–lhe os pes.
Degollaram–no.
E, esquartejado, feito em postas, os pés sangrentos dentro das botinas, foram seus restos mortaes enfiados em estacas, como demonstrações do quanto é perverso o odio da horda de Lampeão...

PELO SANGUE DERRAMADO, GUERRA AOS SICARIOS!
O doloroso fim desse sertanejo deve inspirar ás populações do Nordéste um compromisso sagrado – o de lutar, ao lado da Força Publica, contra os sicarios.
Pelo sangue que elles teem derramado das victimas que surpreendem, o de prestigiar os perseguidores da gente de Lampeão, dennunciando–lhes os seus “coiteiros”.
É proposito do Governo do Estado não dar tréguas a Lampeão, lançando em pratica um traçado modo de campanha que não póde ser divulgado, mas que deve ser facilitado.
O Capitão Facó espera, conforme ainda hoje declarou ao DIARIO DE NOTICIAS, que os sertanejos favoreçam as tropas volantes com um ambiente de facilidações, contando para isso com o auxilio da imprensa. É o que fazemos – apontando esse novo barbaro crime á execração geral!
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Aparece em Felippe de Castro (1975), a narrativa do início do problema:
Corisco foi para a cidade de Bonfim, corrido, afastando-se para sempre da região de Glória e Pedra de Delmiro. Na nova cidade que passou a residir iniciou vida nova, negociando com bugingangas na feira - era camelô - aos dezessete anos.
Certo dia, Herculano Borges, delegado de polícia daquela cidade, homem, segundo conceito popular, de máus bófes, recebe de um dos fiscais da feira uma queixa contra o camelô, acusando-o de sonegação de imposto, naquela época, cinqüenta réis de ocupação do solo. Apresentado ao delegado, este indaga-lhe o motivo da protestada recusa, tendo o acusado se justificado, alegando já ter pago a outro fiscal, por isso que a acusação era injusta. Não se conformando, todavia, o delegado, mandou recolhê-lo ao xadrez debaixo d eimpropérios ofensivos, culminando por agredi-lo com um pontapé nas nádegas. Sabe-se que no percurso da feira ao quartel, onde ficava o xadrez, os soldados da escolta espancaram o rapaz que, raivoso com o ato injusto e violento, prometeu vingar-se declarando, em presença do próprio delegado, chorando de ódio: “Quando eu saí daqui o sinhô me paga seu Herculano”. Só depois de vinte e quatro horas soltaram-no.
Desesperado com os maus tratos que lhe deram, injustamente, resolveu vender o que tinha e com o produto desse negócio comprou um rifle e internou-se nas caatingas.”
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Depoimento de Raimundo Gonçalves, nascido em 1926, em Jaguarari:
"Eu tinha catorze anos, quando o Arthur Gonçalves me contou tudo como foi, e ainda sei dos detalhes... Tudo, no início, ia bem aqui, em Jaguarari... O Corisco e o Arvoredo viviam aqui na maior tranquilidade... Lidavam com comércio. Eram só dois bons rapazes que eram amigos... Não tinham nada demais e não mexiam com ninguém... Moravam ali numa ponta de rua... Eram tempos muito diferentes de agora... Qualquer coisa diferente e vinha lá o “vou te matar”... A polícia era um horror... Agora, é uma tranquilidade... Os policiais são treinados e educados, mas, naquele tempo, eram os delegados muitos recrutas novos... e que se faziam autoridade sem recursos... O Herculano Borges, não sei porque bem, pegou o Corisco e prendeu e bateu mesmo nele... Sei que foi muito ruim... E o Corisco passou as coisas dele e caiu no mato... Virou cangaceiro... Muitos anos depois, ia lá Herculano, que começou a fazer mascate, a comerciar, pelos caminhos, lá pelas bandas de Santa Rosa de Lima... Saindo pouco depois do Pilar, tomando a estrada... Acontece que aqueles que são jovens mudam muito... Nós, os mais velhos, mudamos pouco... E ele deu lá o azar dele, e acabou topando justamente com o Corisco no caminho, na altura da Fazenda Bom Despacho.
Corisco perguntou se ele não era o Herculano Borges... e ele confirmou... De Jaguarari? E ele confirmou também... E Corisco prendeu Herculano... Passou a noite já amarrado crucificado, assim, com os braços abertos... No outro dia, pela manhã, Corisco tirou as unhas uma a uma... Depois foi tirando parte por parte dos dedos... A pele todinha... Herculano Borges sofreu uma morte horrorosa... No final, estava dividido em um monte de pedaços...
Depois foram lá e cataram tudo... Colocaram num saco... Ele chegou aqui foi todo fatiado, espedaçado, dentro de um saco...
Enterraram os pedaços aqui, no cemitério de Jaguarari...
Coisa mais triste..."
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Depoimento de Bertolino Evangelista da Silva, em 1995, aos 89 anos, que aparece em Oleone Fontes (1996):
"Corisco e Arvoredo, cansados do cangaço, decidiram abandonar o bando de Lampião. Em Santa Rosa de Lima tornaram–se protegidos de fazendeiro com quem trabalharam.
Herculano, sub–delegado no povoado, ao saber que antigos bandoleiros ali viviam, resolveu enquadrá–los denunciando-os ao delegado de Polícia de Jaguarari. Presos, tempos depois ambos fogem e recaem no grupo de Lampião.
O sub–delegado é jurado de morte.
Ao deixar o cargo, Herculano volta a realizar negócios em fazendas, povoados, arraiais, cidades, tangerino de tropa de burros. Mercadeja tecidos. Cauteloso, procura cercar–se de segurança antes de adentrar esta ou aquela estrada.
Há indicios de o encontro entre o comerciante e os bandidos ter sido casual, segundo podera o depoente.
Assim Corisco deu a entender. O grupo estava estacionado nas proximidades de cacimba e procedia da fazenda Cachoeira. Herculano e o arrieiro vinham do povoado Abóbora, na direção de Santa Rosa de Lima. Também procuravam água na mesma cacimba. e dão com o bando.
Herculano, reconhecida, fica sob as ordens do Diabo Louro.
Os cabras amrram–no. Dormem no mato. Na manhã seguinte o almocreve é levado e amarrado de cordas até o terreiro da casa em que vivia a família de Bertolino e seus pais, Quintino Alves da Silva e Ana Evangelista da Silva. O comerciante era velho amigo e frequentador daquela casa acolhedora.
Próximo ao batente do casarão, Corisco apontou para o sub–delegado manietado e indagou de Bertolino se o conhecia. Em seguida o Diabo Louro roumpeu emlamúrias. Fora obrigado a ingressar naquela vida por culpa do tropeiro que o escarreirara de Santa Rosa de Lima, correria que terminou em senhor do Bonfim. Naquele dia, por acaso, quiseram os fados que ambos se reencontrassem.
Friamente, Corisco saca do revólver e detona duas balas, uma no olho, outra no pescoço do comerciante. Dois cabras são intimados a esquartejar o cadáver, ainda quente, vários pedaços distribuídos pelas estacas da cerca.
Ainda segundo seo Bertolino, Herculano não suplicou uma só vez que lhe poupassem a vida. Se o fez deve ter sido durante o período em que esteve nas mãos dos bandidos, na noite anterior.
Os restos mortais, em pedaços, foram enterrados no quintal, após a retirada dos cangaceiros. Ainda hoje se pode observar o que sobrou da tosca cruz, cujas hastes, carcomidas, foram colocadas na posição original, para as fotos.
A viúva, D. Ossunta, passado algum tempo, foi à fazenda Bom Despacho, recolheu os despojos do marido, levou–o conigo para lhe dar sepultura digna."
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Depoimento de João Alves Guimarães, nascido a 04 de agosto de 1917, em Abóbora, então pertencente ao Município de Jaguarary, atualmente pertencente a Juazeiro:
"O Herculano Borges foi aprisionado na roça do meu pai, na Fazenda Bom Despacho... O Corisco foi muito cruel... Meu pai viu tudo e me contou... Ele pegou e amarrou o Herculano de jeito passando as cordas pelos pulsos, não em volta, mas por dentro... Furou a carne para passar a corda entre os ossos... Ele pegou o meu pai e colocou ali junto. Amarrou o Herculano num pé de pau pra ele ficar ai a noite inteira... Corisco obrigou o meu pai a ficar olhando para ele, vigiando... Se o meu pai não ficasse cuidando, ele depois desgraçava era com tudo do meu pai... No outro dia, botou o Herculano pendurado com os pés pra cima, sem a roupa... Começou a ir tirando a pele, bem devagarzinho... tirando e tirando... Foi tirando as coisas... Quando ele morreu, primeiro abriram que nem bode... Esquertejaram o Herculano Borges... E Corisco colocou os pedaços assim, espalhados, pelos pé de pau e cerca... Foram dez pedaços... O meu pai que depois juntou e enterrou... Depois levaram pra Jaguarari... Dez pedaços..."
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Dona Ossanta, viúva de Herculano Borges, só viria a falecer em Serrinha, em 1994. (Borges, 1996)
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