26 janeiro 2012

Mural na Rodoviária de Feira de Santana



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Parte do mural, que teve pintura de Lênio Braga, com Udo como Ceramista, colocada na Rodoviária de Feira de Santana, na Bahia, em 1967:

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Batalha das Fazendas Peri-Peri e Favela

A 24 de março de 1930 estourou um combate na Fazenda Peri-Peri, próxima a Juazeiro, estendendo-se até a Fazenda Favela.
Neste, três militares saíram gravemente feridos.
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O sargento Aderbal Borges teve entrada de projétil um pouco acima da mandíbula, no lado direito da face, com saída pelo lábio inferior, no seu lado esquerdo.
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Depoimento de Ângelo Roque, o cangaceiro Labareda, que participou do confronto, a Estácio de Lima (1965):
"Nóis ia viajano, um dia, na rodage i topemo us macaco du sargento ADERBÁ... Nóis nun teve certeza si êles vinha da FAVELA, ou du JUAZÊRO. Sustentemo um fôgo currido, i mergúiemo na caatinga. Us macaco perdero a pista. E nóis tinha ali pru perto um pôso que nun era bom, mas porém sirvia. Cumpade LAMPIÃO riuniu us pessoá i mandô ZÉ BAIANO imboscá a istrada di FAVELA i nós fiquemo di imboscada na istrada di JUAZÊRO. Peguemo, aí, um portadô, i toquemo-lhe o pau, i tomemo um dinhêro qui ficô cum LAMPIÃO. Dinhêro era perciso, mas nun fartava, vino dus Coroné, dus amigo, di quem fô. U capitão deu orde i dispachô um camarada pra buscá mais u’a importânça in JUAZÊRO. Nóis fumo denunciado pru êsse cabrinha faladô i tivemo duas brigada, pra bem dizê uma pru riba da outa. ZÉ BAIANO cum a volante qui vinha da FAVELA i LAMPIÃO cum nóis, di nôvo brigano mais um sargento ADERBÁ i us macaco dêle. A orde nun era pra nóis combatê pra valê, inté u fim. Nóis di nôvo arricuemo, si sumino, pra vortá na casião dérêita. I sempre gritano, subiano, discompono. Nu’a dessas casião, u fôgo cerrô feio, i u sargento ADERBÁ, cum dispusição di home, vançô pra nóis, quereno cabá cá gente, i entonces si discubriu. Levô um tiro danado qui firiu na cabêça, bem nus quêxo da cara; nóis subemo qui foi coisa fêia, mais porém u sargento guentô cumo home i u resto dus macaco nun correro. ADERBÁ inda véve, sendo Coroné da Puliça. Nóis ivitô cuntinuá nas brigada dêsse dia, apois nun paricia havê vantage pra nóis. Cumpadi LAMPIÃO deu siná i nóis abrimo caatinga adentro. ZÉ BAIANO já tinha chegado, mas VORTA SÊCA tava sumido. Ninguém creditô qui êle tivesse sido matado! Drumiu nu mato, i nu outo dia quando nóis tava distanciado i cumecemo a cantá MULÉ RENDÊRA, VORTA SÊCA chegô, contano qui teve pirdido, i achô nóis pulo canto da MULÉ RENDÊRA."
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Também feridos no mesmo tiroteio...
soldados Calixto Eleuterio dos Santos e Jose Domingos dos Santos

O soldado Calixto Eleuterio dos Santos teve três ou duas costelas do lado esquerdo fraturadas por tiro de fuzil.
O soldado José Domingos dos Santos teve a coxa esquerda varada por uma bala e o dedo polegar esquerdo espedaçado por outra.
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24 janeiro 2012

06 de setembro de 1928, no “Diario de Noticias"

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06 de setembro de 1928, no “Diario de Noticias”:
Lampeão
DESLISOU ENTRE OS SITIANTES, FARDADO DE SARGENTO DA POLICIA PERNAMBUCANA...

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Preliminarmente: Virgolino não é cearense; é Pernambucano ou do Rio Grande do Norte.
É o que nos escreve, affirmando, o sr. J.Sampaio Barros, que faz questão de provar a naturalidade do clavinoteiro ambulante.
Lampeão, a estas horas, deve estar fugindo das caatingas da serra da Tranqueira, depois de deixar terras do Cumbe, perseguindo os fazendeiros locaes.
E sobre a sua estadia no Cumbe, estamos informados do seguinte episodio: certo dia, surgiu um grupo de praças, montadas e embaladas, de chapéos de feltro de abas largas, na fazenda do coronel X, o mesmo amigo e correligionario do senador Plinio Dantas;
Recebeu o coronel a caravana na “varanda” da fazenda, curioso, ao responder aos bons dias da tropa, de saber de quem s etratava.
– Somos, disse o chefe, um destacamento da policia de Pernambuco...
– Muito bem. Estão em diligencia?
– ... à procura do celebre Lampeão.
Queremos, por isso, pousada e, depois, armamento e munição.
O coronel mais confiado:
– É pena não poder servir aos camaradas. Armas e munições é o que me faltam.
E, lamentando:
– Infelizmente, porque gostaria de os auxiliar na prisão desse bandido Lampeão.
O destacamento saltou, amarrados os animaes, afrouxados os arreios, fez–se o almoço. Estomago cheio, depois duma prosa habil, o commandante da força pernambucana chamou á parte, o fazendeiro:
– Eu não gosto de enganar ninguem. O coronel tem vontade de ver Lampeão preso, esfolado ou morto. Pois eu sou Virgolino Ferreira – Lampeão.
– Ahhhhhh...
Mal poude gemer, o coitado.
Mas, não sofreu outro mal além do susto.
Lampeão minutos depois, “voava” em animaes da fazenda, mettendo–se como “almas de outro mundo” entre os sitiantes, rumo da serra mais estrategica e proxima, em demanda de Tranqueira, donde já se fez rumo á Serra do Meio.
O fazendeiro do Cumbe depois, botou a bocca no mundo telegraphando ao sr. chefe de Policia.
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19 janeiro 2012

Liberato de Carvalho

Profissão: Militar e Médico
Nascimento: 13 de agosto de 1903, Vila Serra Negra, Pedro Alexandre-BA
Filiação: Pedro Alexandre de Carvalho e Guilhermina Maria
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:: Formação Educacional
Cursou o Primário e o Secundário em Aracaju-SE. Estudou na Escola Militar na Academia de Agulhas Negras, Rio de Janeiro-RJ. Formou-se em Medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia, Salvador-BA.

:: Atividade Profissional
Tenente-coronel por decreto de 16 de dezembro de 1932, para comandar as Forças de Operação do Nordeste dos Estados - FONE.
Promovido a Coronel, 1935.
Nomeado Comandante da Polícia Militar da Bahia, 23-02-1935 a 11-11-1937.

Foi antecedido pelo Coronel João Felix de Souza, que comandou a Polícia Militar de 20-11-1931 a 23-02-1935, e sucedido pelo Cel Tito Coelho Lamêgo , que comandou a Polícia Militar de 11-11-1937 a 28-03-1938.
Comandante do Batalhão do Exército, Recife-PE;
capitão da Infantaria do Exército Nacional, reformou-se como General de Brigada.
Secretário estadual de Segurança Pública e do Interior do Estado de Alagoas.
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médico
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Aparatado, na sua ação como volante. - Fonte da imagem: livro "Derrocada do Cangaço", de Felippe de Castro.
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Aparatado, na sua ação como volante. - Fonte da imagem: livro "Derrocada do Cangaço", de Felippe de Castro.
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Liberato e sua volante, em Jeremoabo
(Imagem: Revista O Cruzeiro)
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Liberato, em Jeremoabo
(Imagem: Revista O Cruzeiro)
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Liberato de Carvalho na época da sua participação no combate de Maranduba.
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Comandante da Policia Militar do Estado da Bahia.
(Imagem do acervo da Polícia Militar do Estado da Bahia)
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:: Mandato Eletivo
Eleito deputado estadual Constituinte pela União Democrática Nacional - UDN, 1947-1951.
:: Atividade Parlamentar
Na Assembléia Legislativa, titular da Comissão de Polícia Civil e Militar (1947-1950).

Deputado Liberato de Carvalho
(Imagem do acervo da Assembléia Legislativa do Estado da Bahia)
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Cônjuge: Carmem Siqueira de Carvalho
Filhos: José Carlos  Siqueira de Carvalho e Liberato José Siqueira de Carvalho
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Liberato José Siqueira de Carvalho
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Falecimento de Liberato de Carvalho: 16 de março de 1996
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Sepultura no Cemitério Jardim da Saudade - Salvador - Bahia


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Atualmente existe a Praça General Liberato de Carvalho, na antiga Rua Velha, em Pedro Alexandre, Bahia.
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5 de setembro de 1928, no “Diario de Noticias”

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5 de setembro de 1928, no “Diario de Noticias”:
Estará Lampeão cercado?


É o que se affirma, com o accrescimo de que o bandido está homiziado na fazenda de um amigo do senador Pinto Dantas
Uma noticia devéras sensacional para os nossos leitores: – lampeão, tendo invadido terras do nosso Estado, ao que sabemos, encontra–se cercado pela policia bahiana, numa fazenda, onde lhe deram acolhida criminosa, em Varzea da Ema, municipio do Cumbe.
Pergunta–se: – será desta vez preso ou morto o famigerado bandoleiro, nessa sua nova incursão ao territorio bahiano, vindo de Pernambuco?
Constituirá motivo de vergonha para o nosso departamento policial a impunidade dessa outra “visita”, que está produzindo os seus effeitos, inclusive o exodo das populações mais proximas da zona attingida por Virgolino.
Ao que sabemos, o bandido procura alcançar Canudos!
E tantos destacamentos que fui levar?

– Prender o homem que tem provado o desvalor pratico do Convenio Policial.

As forças da policia chegam a Bomfim, de onde partem em autos–caminhões, realizando o cerco da “fera”, afinal conseguido.
O cerco, agora, parece que põe termo á vida perversa do perverso cearense, que o bernarditismo chegou a apparelhar de contra–revolucionario, com as armas e a farda do exercito.
O chefe de policia do Estado, ao par do esconderijo de Lampeão, que é uma fazenda de propriedade de um correligionario politico do senador Pinto Dantas, deste solicitou aconselhasse esse seu amigo a entregar á força publica o criminoso, sob pena desta, a viva força, tomal–o, uma vez que não ha possibilidade de fuga.
Está, pois, lançado o “ultimatum”.
Aguardemos o fim, registrando tambem, a chegada, hontem, do bacharel Ananias Figueiredo, juiz municipal da região invadida pelo faccinoroso.
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29 de agosto de 1928, no “A Tarde”

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29 de agosto de 1928, no “A Tarde”:
As ultimas noticias de Lampeão
As forças bahianas vigiam-n’o de perto


O capitão Hercilio rocha attingindo as fronteiras pernambucanas enviou ao secretario de Policia detalhados despachos suggerindo medidas para a perseguição do bandido “Lampeão”, as quaes já foram postas em pratica.
O tenente Waldemar Lopes, por sua vez, telegraphou ao dr. Madureira de Pinho, dizendo que em vista da perseguição tenaz dos nossos grupos, “Lampeão” até o momento não conseguiu juntar-se aos bandoleiros de Antonio de Engracia, tendo-se internado nas serras de Gangorra e Trangueira, nas proximidades a Varzea da Ema.
O capitão João Galdino, em Bonfim, tem estado vigilante, enviando positivos para Uauá, Patamuté e Chorrochó. Hoje, pela manhã, o contingente do capitão Hercilio marchou para Chorrochó.
Emquanto a noticia das depredações verificadas nos sertões por aquelles bandidos, não passou de boatos que, nessas ocasiões, sempre surgem.

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18 janeiro 2012

"Cavalos do Cão" - Zé Ramalho


A composição "Cavalos do Cão", apareceu no álbum "Terceira Lâmina", terceiro do compositor e cantor brasileiro Zé Ramalho, nascido em Brejo da Cruz, Paraíba. Lançado em 1980, nesta composição, teve a participação da cantora Elba Ramalho, nascida em Conceição da Paraíba.
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"Cavalos do Cão"
Letra e música: Zé Ramalho:

"Corriam os anos trinta
No nordeste brasileiro
Algumas sociedades lutavam pelo dinheiro
Que vendiam pelas terras
Coronéis em pé-de-guerra
Beatos e cangaceiros

E correr da volante
No meio da noite, no meio da caatinga
Que quer me pegar

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Na memória da vingança
Um desejo de menino
Um cavaleiro do diabo
Corre atrás do seu destino
Condenado em sua terra
Coronéis em pé-de-guerra
Beatos e cangaceiros...

E correr da volante
No meio da noite, no meio da caatinga
Que quer me pegar
"
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Féretro de Horácio de Mattos


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No “A Tarde” de 18 de maio de 1931...
Saída do féretro do coronel Horácio de Mattos, da residência onde se deu o velório.
No instante representado na fotografia, à saída do local, Horacina de Mattos, filha do coronel Horacio de Mattos, presta homenagem diante do seu caixão. Aos seis anos de idade, andava de mãos dadas com o pai, quando este foi assassinado.
Após breves palavras, em honra do pai, depositou sobre seu esquife a flor que tinha em mãos.
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Horacina de Mattos
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Como citar
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27 de agosto de 1928, no “A Tarde”:

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A policia bahiana ao encalço de “Lampeão”
O sicario diz nada querer na Bahia

As forças volantes da policia bahiana que se encontram no sertão em perseguição ao famigerado Lampeão, approximam-se cada vez mais do bandido, para um cerco definitivo.
Ha dias partiu de Curaçá a companhia do primeiro tenente João Francisco com o contingente do sargento Pereira.
No dia 23 devia ter chegado em Feira do Pau uma companhia de metralhadoras, sob o commando do ten. João Candido.
A força do capm. Hercilio Rocha partiu de Patamuté.
Como se vê, forças efficientes da policia se movimentam em perseguição do bandido.
AS ULTIMAS NOTICIAS DE “LAMPEÃO”
O dr. Madureira de Pinho, secretario da Paolicia, recebeu hontem, do capm. Hercilio Rocha, um telegramma, dando-lhe as ultimas noticias de Lampeão.]
Um estafeta que viera de feira do Páu para Uáuá, no dia 26, disse haver visto ali o bandido acompanhado de 6 homens armados a fusil, tendo cada um 400 cartuchos. Lampeão procurou naquelle arraial trocar uma nota de 500$ por 400$, não encontrando quem quizesse ganhar os 100$ réis. Deante disto, pretendeu tranquilllisar os habitantes do logarejo, dizendo que nada queria fazer nos sertões bahianos, que nada queria na Bahia.
O secretario da Policia telegraphou ao seu informante que continuasse perseguindo o bandoleiro.
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23 de agosto de 1928, no “A Tarde”:

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23 de agosto de 1928, no “A Tarde”:
Após 3 meses de ausência, refugiado nos sertões de Alagoas, reaparece, na fazenda Gravatá, distante 4 léguas da Cachoeira de Paulo Afonso, e sendo incontinenti perseguido pelas forças de Alagoas e Pernambuco, o grupo de Lampião, que atravessou a fronteira de Pernambuco, a poucas léguas acima de Tacaratu.
O grupo está reduzido a 5 bandidos, que atravesssaram o São Francisco, rumando para a Bahia, seguindo em sua perseguição o tenente Queiroz e o sangento Petronilo, ambos da polícia pernambucana.

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16 janeiro 2012

Horácio de Mattos... A morte...

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16 de maio de 1931, no “A Tarde”:
Numa explosão de odio, um guarda civil mata tiros o cel. Horacio de Mattos, tradicional chefe sertanejo
Declarações attribuidas ao criminoso que não se arrepende do que fez
No Largo 2 de Julho fora um homem assassinado! E correu gente para o local. Phisionomias assustadas indagavam o nome da victima.


A reportagem policial d’A TARDE movimentou-se chegando ao local do crime minutos após. O facto se dera precisamente ás 7 horas e 30 minutos da noite. Uma onda enorme de curiosos fechava em circulo o cadaver do coronel Horacio de Mattos, tradicional chefe politico sertanejo. estava deitado de bruços sobre o leito da linha de bondes, que vae da rua Democrata, antiga do Hospicio, no local entre o Armazem Novo elegante e a rua do Areial de Baixo, tinha o pescoço retorcido, vendo-se com segurança um filete de sangue que escorria de sua bocca semi-aberta, onde brilhava uma fila de dentes de ouro.
Caído ao lado estava o seu chapéo de feltro, preto. A fio comprido, junto a sua mão direita, encontrava-se a sua inseparavel bengala de bastão de ouro.
Vestia um terno preto, tendo preso entre os botões do collete o seu relogio que marcava 7 horas e 40 minutos.
Desfigurado embora, na crispação da morte, reconhecemos a figura do cel. Horacio de Mattos.
Cadáver do coronel Horácio de Mattos
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- E o criminoso?
Era a pergunta que faziam todos os presentes.
As hypotheses formuladas sobre a figura do autor da morte eram as mais desconcertadas.
De arma em punho, conseguira evadir-se ladeira do Areial a baixo, perseguido pelo clamor publico.
CHEGAM OS LEGISTAS
Com a chegada dos legistas Arthur Ramos, que se encontrava de plantão, e Estacio de Lima, aquelle perito de lapis e papel em punho procurou fazer ali mesmo um schema do local do crime e outros apontamentos para a descripção da perinecroscopia.
A camisa de listra do cel. Horacio de Mattos estava manchada de sangue no lado esquerdo, na altura do peito.
aberta a mesma constataram se dois ferimentos por bala um na ponta do mamillo, com a sua destruição e outra a 5 ou 10 centimetros mais a cima.
Neste momento, o delegado Tancredo Teixeira, que não se fizera esperar tomava todas as providencias necessarias, não só para a identificação do criminoso, como tambem a sua captura.
Varias pessoas apontavam como testemunhas do facto os emprgados do armazem Novo Elegante.
Um rapazinho de nome Gonçalo Braga levado á presença da autoridade, explicou
- Vi o assassino.
Era um homem alto , cheio de corpo, todo de escuro e chapéo de palha. Atirou contra o cel. Horacio de Mattos, de frente, fugindo em seguida, ladeira abaixo, de arma em punho.
Come sta declaração do rapazinho, mil conjecturas foram feitas pelos presentes.
O prof. Estacio de Lima, neste momento, providenciava a remoção do corpo para o Instituto Nina Rodrigues.
Do cadaver fora tirado um revolver “schimidt” com 6 balas intactas e a importancia total de 5:020$200.
COMO SE DEU O CRIME
A reportagem d’”A TARDE” avida por colher notas para o noticiario de hoje, interrogava os presentes.
Ninguem sabia ao certo como se dera o crime, mas affirmavam que o criminoso atirara de frente, com segurança, quando o cel. Horacio de Mattos passava em frente ao Areial de Baixo.
Ao longe, ficaram vendo-o tres moças e uma menor.
As moças eram as suas cunhadas Amerina, Ayda e Maria e, a menor, a sua filha Horacina.
Ao verem os disparos, aquellas moças entraram com a menor, apenas indo até junto ao corpo a de nome Amerina, a quem o guarda civil ali presente pediu que se retirasse.
O cel. Horacio de Mattos morava actualmente com a sua familia na residencia do seu compadre e amigo o ex-deputado dr. Arlindo Senna, á rua Accioly, 17.
Depois de ter jantado saíra para ver a sua cunhada de nome Arlinda que se encontrava doente.
Mal sabia que ali perto, na esquina da rua do Areial, a morte o esperava traiçoeiramente.
A PRISÃO DO ASSASSINO
- Foi preso o assassino! O assassino entregou-se á prisão!
Foram estas as primeiras palavras que se ouviu, quando o corpo do cel. Horacio era posto no caixão.
O delegado Tancredo Teixeira juntamente com algumas testemunhas do facto, dirigiu-se para a Secretaria de Policia.
O criminoso ia ser identificado.
Quem seria? Porque matara? era inimigo da sua victima ou agira sob alguma influencia extranha? Pairavam duvidas.
Emquanto isto o legista Arthur Ramos, de vela em punho, examinava o local do crime, procurando as capsulas das balas.
Chegada a caravana na Secreataria de Policia e conhecido o autor do crime, foi geral a estupefação. Era elle o guarda civil 97, Vicente Dias dos Santos, que servira ha dias na Delegacia da 2ª Circumscripção. Era tratavel com todos e tinha com comportamento.
Vicente Dias dos Santos - O assassino
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como explicar o caso?
Elle, entretanto, mostrava-se de uma calma apparente. De quanto em quando esboçando um leve sorriso, sorriso amarello, dizia:
- Foi um bandido que desappareceu...
O delegado Tancredo Gteixeira a esta sua primeira phrase, deitou-o incommunicavel.
- Era preciso - disse a autoridade - ia ouvil-o sob sigillo.
A CAUSA DO CRIME
Aquella determinação do delegado Tacredo Teixeira foi o bastante para augmentar a curiosidade de todos.
- Porque teria o guarda morto o cel. Horacio de Mattos?
No entanto, a reportagem da A TARDE assim que teve conhecimento do nome do accusado, desvendou todo o mysterio.
O guarda civil 97, pelo que parecia tinha um odio de morte do cel Horacio.
A ninguem elle negava a sua magua.
Conta o criminoso que a sua familia, que era de Morro do Chapéo, de onde é filho, foi bastante perseguida pelo cel. Horacio. Que o que elle fizera fora apenas “tirar uma fera do sertão”.
O cel Horacio de Mattos, proseguiu, de uma feita mandara espancar o seu irmão de nome Pedro Dias dos Santos, garimpeiro do cel. Aurelio Goudim. Que o povo de Horacio depredou fazendas do seu pae, denominadas “Alagoinhas” e “Duas Barras”, que fica no Morro do Chapeu. Que elle proprio fôra jurado pela gente da sua victima, não podendo ir áquelle municipio.
O crime não premeditara. Encontrava-se no local, accidentalmente, quando viu o seu inimigo passar.
Teve logo uma repulsa medonha, comettendo o crime e fugindo, indo esbarrar numa casa á rua da Gameleira, onde se entregou a Cicero Mullulo e o seu collega de n.27. A sua arma comprara por 40$ em mão d eum soldado revolucionario.
QUERIA GARANTIAS DE VIDA
É do conhecido publico o modo porque foi preso o accusado. O sr. Olival Salles Pontes, empregado do Archivo criminal, conta que ao ver passar o acusado deu o alarma com um apito.
elle, porem, não se intimidou, e apezar de grande numero de pessoas que corriam ao seu encontro foi esbarrar na casa 17, á Gamelleira casa do sr. Eusebio dos Santos, onde procurou occultar-se.
Foi ali - disse a testemunha Cicero Mullulo que fui buscalo-o. Elle entregou-se a mim e ao guarda 27 sem a menor relutancia. Queria apenas que garantissemos a sua vida.
Chamado um auto de praça foi elle transportado para a Secretaria de Policia.
Alem do revolver, Vicente estava armado com um punhal que foi tambem entregue ao delegado Tancredo Teixeira.
A NECROSCOPIA
Pela manhã de hoje, foi procedido o exame de necroscopia pelos legistas Egas Muniz e Arthur Ramos.
Notaram logo elles tres orificios de entrada e dois de saída.
O primeiro orificio de entrada no 7° espaço intercostal esquerdo, a 4 centimetros á esquerda da columna dorsal; trajecto: transfixiando a massa pulmonar esquerda, lesando ligeiramente o ventriculo esquerdo, saindo ao nivel da região precordial (4° espaço intercostal esquerdo).
Segundo orificio de entrada na região axillar direita, atravessando o pulmão direito, lesando a aorta ascendente, e saindo na 3ª costella, fracturando-a ao nivel da articulação chondro-esternal, á esquerda. Hemorrhagia fulminante, 3 litros de sangue liquido e coagulos na cavidade pleural.
3° orificio de entrada ao nivel do acromio esquerdo, encontrando-se um projectio de chumbo (de revolver) encravado no omoplata esquerdo.
Em suma: foram 3 disparos de traz para diante e da esquerda para a direita. Morte por hemorrhagia fulminante, por lesão larga da aorta ascendente
QUEM ERA O MORTO
O cel Horacio de Queiroz Mattos era de côr branca, casado com d. Augusta Medrado de Mattos, negociante fazendeiro, era residente em Lençóes e encontrava-se nesta cidade preso sob palavra. Deixou cinco filhinhos menores Horacina, Tacio, Judith, Horacio e Ruth. O seu corpo, ás 12 horas d ehoje, foi removido para a residencia do sr. Arlindo Senna, á rua do Accioly de onde sairá o enterro para o cemiterio do Campo Santo.
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Do jornal "O Imparcial", de 16 de maior de 1931:

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10 janeiro 2012

Depoimento de José Moura de Oliveira, o Seu Nôza, de Queimadas


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Depoimento de José Moura de Oliveira, o Seu Nôza, de Queimadas:
Eu nasci a 23 de fevereiro de 1925... Meu nome é José Moura de Oliveira, mas este quase ninguém conhece... Em Queimadas eu sou o “Seu Nôza”... É um apelido que minha irmã me deu, quando me viu, quando eu ainda era bebê. Ela vivia me chamando assim. As pessoas achavam engraçado e acabaram pegando... Ficou... pegou... O certo é que eu tinha quatro anos e dez meses quando as coisas que conto aconteceram... O que eu vi e lembro digo... O restante, fui ouvindo o que as pessoas que viveram me contavam... Como eu sabia ser algo importante... uma façanha... guardei bem na memória...
Junta-se aí o que eu vivi, o que eu vi, com o que ouvi dos demais...
O bando atravessou o Itapicuru na antiga passagem, que era bem eprto do chalé do coletor João Lantyer... O rio estava muito cheio, e a travessia só podia ser feita de canoa...
E foi por volta de dez e meia da manhã, quando entrou em Queimadas em ordem um grupo de uns quinze a vinte armados em formação. Pareciam ser uma volante, porque as volantes rodavam com roupas muito parecidas com as dos cangaceiros. Todos achavam que era volante mesmo, porque um comandante de volante tinha mandado avisar ao sargento Evaristo que estava vindo para almoçar com ele...
Isto contado por Zumira Lantyer, irmã de João Lantyer, estava no chalé do irmão com outras amigas, ensaiando “As pastorinhas”... Quando ela viu esse grupo e as meninas correram a olhar e disseram a ela que era uma volante, o que ela contestou. Disse:
– Que nada! É Lampeão!
É que ela, dada a ver e ler revistas, já tinha visto imagem de Lampeão e do bando... E chamou a atenção das amigas pro menino que ia com eles... Apontou:
- Olha ali o menino!
Ela saiu rápido, avisando todo mundo que podia, mas ninguém acreditou nela... Todo mundo só dizia:
– Que nada! É a volante!
Imagina o desespero...
E o Lampião parecia conhecer muito bem a cidade... Foi direto ao objetivo, não se antes mandar dois cabras irem na estação ferroviária cortarem os fios da comunicação. E também pegar todo o dinheiro que havia lá...
Eu tinha ido levar a comida do compadre da minha mãe, Maria Cecília de Oliveira, mais conhecida por Dona Marocas, que estava preso... Lá havia nove presos de Itiúba, pois ela pertencia a Queimadas... Itiúba era vila de Queimadas... O preso que eu ia levar comida todos os dias era de lá. E a minha casa era assim, bem de frente para o quartel.
Havia dois presos que eram contratados da polícia mesmo, que haviam discutido com um homem aqui e matado ele na praça... E também um preso que era daqui de Queimadas, que matou um senhor da cidade... Este estava preso porque o senhor que ele matou havia bolido com uma menina da cidade, e a família tinha mandado ele para matar o homem... Acabou pego.
Eu cheguei na porta do quartel e vi dois soldados no chão jogando um jogo que eles iam movendo umas pdrinhas e fazendo marquinhas do lado, para as pontuações. Eu estava ali, com a comida ainda, quando entrou Lampião... Lembro bem dele, do que aconteceu, de ter ouvido ele falar e o que falou... Não posso lhe dizer a cor da roupa que ele usava... porque eu só me lembro que fiquei impressionado com a quantidade de armas... e como ele trazia muita coisa carregando... Estava cheio de carticheiras... Ele chegou e passou bem assim, entre eu e os soldados, na frente de uma fila. Fizeram uma volta no salão, contornando os soldados.
Os soldados levantaram na hora e bateram continência, pensando também que era a visita que estavam esperando. Então foi só o tempo dele dizer:
– Baixem o braço, macacos, que eu sou o bandido Lampião!
Eu vi que tinha alguma coisa errada, pela cara dos soldados, e fui saindo. Olhei para trás e vi, lá no fundo, dois cangaceiros que entraram por trás, pelo fundo do quartel... Lampião olhou para eles e disse logo:
– Tudo em ordem!
Sinalizou com a mão, estendendo a palma... A situação estava dominada.
Quando fui saindo... E vi que tinha mais cangaceiros do lado de fora, na frente do quartel... Um de cada lado da porta, apontando as armas para dentro, e um assim, abaixado, perto da janela, com um revolver na mão.
Quando eu cheguei no meio da rua, ouvi um apito e olhei para trás. Vi Lampião do lado de dentro da janela, meio abaixado, e percebi que ele é que tinha apitado para chamar os soldados...
No final, ele tinha recolhido todo mundo... todos os soldados... e soltado os presos... O sargento Evaristo, muito boa pessoa, não estava ali de jeito nenhum... Chegou para ver quem tinha apitado chamando e foi preso.
Eu cheguei em casa, e o meu pai estava falando para uma amiga da família que não tinha nada de Lampião ali... Que era a volante pernambucana que tinha ficado de vir almoçar na cidade.
Eu, então, falaei pro meu pai como foi que aconteceu. Mostrei imitando como os soldados bateram continência e o que Lampião disse.
Meu pai daí falou:
– Então estamos desgraçados, com os bandidos na praça...
Lampião disse para os cangaceiros:
– Perambulem e nada de desrespeitar as famílias! Digam a elas que o que fizerem eu garanto!
E teve o negócio engraçado do Zeca de Canju... Canju era o apelido da mãe dele...
Avisaram a Zeca, que estava perto do rio, que os cangaceiros tinham chegado. e ele, sem saber que estava vindo pra eles, correu e entrou na cidade.
Um cangaceiro viu e pulou na frente dele:
– Tá indo aonde assim?
Ele tentou disfarçar e contou um caso besta pra explicar a pressa... O cangaceiro não enguliu e disse:
– Que nada! Vamos que você vai falar com o capitão!
Lampião encarou a coisa na boa. Ainda mais que Zeca de Canju começou a mostrar admiração verdadeira por ele. E começou a pergunar pelas armas e, finalemnte, como ele poderia fazer para ser um cangaceiro também.
– Mas você quer mesmo? perguntou Lampião.
E deu uma faca pro Zeca... que enfiou no cinto mal enfiada.
Lampião olhou e mostrou a ele como enfiar a faca certo. e disse:
– Se você enfia daquele jeito, dá tempo do cabra pegar você. Assim, como coloquei, você puxa rápido e bota na frente de quem está te atacando.
E o Zeca de Canju ficou acompanhando os cangaceiros pra lá e pra cá.
Depois, Lampião foi para a casa do juiz, o doutor Hilário... com quem ele fez poucas e boas, desmoralizando... e exigiu que ele fizesse uma lista com os nomes dos homens principais de Queimadas, escrevendo também quanto cada um deles teria que dar... E o juiz teve que chamar as pessoas em casa para entregar o dinheiro... Saiu o Alvarino, oficial da Justiça, para intimar as pessoas a comparecerem logo na casa do juiz...
O meu pai, escrivão estadual aqui, por nome Francisco de Moura e Silva... mais conhecido por Catita... teve que contribuir também...
Ele chegou para o meu pai e disse:
– O juiz escreveu que o senhor tem condição de dar 2 contos de réis...
O meu pai respondeu:
– Capitão... Não tenho essa soma não... O meu dinheiro é todo em mercadorias e trabalhos... Eu posso até fazer mais que isso, se tiver tempo... Eu respeito o juiz, mas eu não teria condição de dar o que ele escreveu aí, não
Ele disse:
– Não tem problema... Eu sei que preto só fala a verdade pela manhã e, com tanto bandido assim, por perto, esse juiz não vai falar a verdade e não é pra confiar, nem que fosse de madrugada... Eu não quero incomodar ninguém além das sua sposses... Quero só aquilo que não cause constrangimento... O que o seu Catita tem pra mim? senhor pode me dar quinhentos mil réis?
– Quinhentos tenho em dinheiro sim, capitão!
Chamou, então, um amigo de meu pai, o Hermelino Barbosa de Souza... e disse que ele também estava anotado para dois contos de réis.
Ele disse:
– Capitão... Faça minhas as palavras de Catita...
Lamprão respondeu:
– O senhor pode me dar oitocentos mil réis?
Hermelino concordou e o acerto foi feito. Eles saíram para buscra o dinheiro.
Quando meu pai entregou o dinheiro, Lampião disse:
– Seu Catita... Se por este dinheiro a sua família for sofrer algum constrangimento, pode tirar.
Meu pai disse que estava tudo bem.
Acontece que os cangaceiros ficavam passeando pela cidade e deixavam sempre dois de guarda no quartel, revezando, cuidando dos soldados... Uns vigiavam enquanto os outros iam pegar seus dinheiros.
Em uma casa, tinha a Santinha, que era bem nova e ingênua... Nem pensou e ficou usando umas jóias... ela estava com uma muito bonita, quando Mariano olhou e disse para ela que ela deveria dar aquela jóia para ele.
Ela disse que não podia dar.
Ele disse:
– Me dá que eu vou precisar porque vou encontrar uma mulher muito bonita e quero dar a ela.
Santinha disse:
– Esta jóia foi da minha bisavó... da minha avó... da minha mãe... agoa é minha... Não dou nem vendo... Mas se você me tomar, não posso fazer nada... e eu protejo minha consciência...
Mariano arrancou a jóia... que eu não sei como era, e disse:
– Olha... me diz uma pessoa na cidade que você não goste... O capitão disse pra não matar ninguém... mas eu posso matar sim... é só dizer que ela tentou me tomar a arma ou fazer algum mal... escolhe alguém que eu mato.
Ela disse que se dava bem com todo mundo... Que não tinha porque mandar matar ninguém. Então, ela disse:
– Quando for sua vez de dar guarda, deixe os soldados fugirem... Vá com eles... Depois que os cangaceiros forem embora, volte... Eu lhe garanto. Meu marido pode. Tiro você dessa vida... e coloco na polícia.
Mariano disse:
– Senhora... Se isso acontecesse seria um sonho e tudo o que eu sempre quis... Não tem coisa melhor no mundo pra mim... Mas se eu fizer isso, a senhora não conhece o capitão... Pode ser que ele mate a população da cidade toda por causa disso,..
Então ela resolveu particularizar o caso e disse:
– O sargento é uma pessoa muito boa... muito religioso... É batista... irmão de fé... Quero que solte ele.
Mariano olhou e respondeu:
– Não posso garantir nada... mas vou ver se arranjo a coisa pra senhora.
Ele encontrou Lampião, chamou no canto e conversou com ele.
Lampeão disse:
– Mas, Mariano! Como é que você faz um acerto desses? Você sabe que eu não poupo macacos! Você sabe que os macacos mataram a minha mãe e o meu pai e ficaram soltos! Se tivessem pago, eu não teria tanta raiva assim! Se Deus permitisse que a minha mãe descesse dos céus e ela viesse vindo na estrada, na minha frente, e eu fosse atrás dela... e eu visse um macaco... eu passo por ela e eu vou lá matar ele antes de tomar a bênção dela!
Foi até o canto, voltou–se e disse pra Mariano:
– Mas você, hein?
Ficou ali, pensando, depois disse que estava tudo certo, que ia poupar o sargento:
– Tá garantido! Se depender de mim, morre de velho!
Então, umas seis horas, ele pediu às pessoas que se protegessem atrás de paredes, porque não queria que, tendo pensado o que ia acontecer, pudesse algum civil se ferir... Ele mostrou esta preocupação com o pessoal... O problema dele era mesmo com a polícia... E ele foi até a prisão...
O sargento, liberado, sabendo o que ia acontecer, pediu:
– Capitão... Gostaria de sua permissão pra me afastar e não ver a morte dos meus soldados... Se não puder, queria que o senhor me matasse... e por primeiro... anets de todos eles.
Lampião olhou e mandou:
– Vá se embora!
Fizeram um anel assim, na saída, de uma janela a outra, na porta. E ele mandou sair o primeiro preso... Quando ele saiu, tinha aquele círculo de cangaceiros de frente pra porta... E ele disse:
– Tira a caneleira, aí!
Os soldados usavam umas caneleiras então... Ele baixou e levou um tiro na nuca...
Aí, Lampião dizia:
– Que venha outro!
O segundo ficou rogando pra não morrer, mas Lampião dizia:
– Tira a caneleira, macaco!
– Pelo amor de Deus! Não faça isso! Eu tenho filhos para criar!
– Tira a caneleira, macaco!
Aí, ele atirou. O tiro foi na boca do soldado que já caiu, na hora...
O meu pai me colocou pra dentro... Não era pra ver mais nada.
Os cangaceiros pegaram e colocaram ele assim, deitado do lado do outro... na calçada da prefeitura.
E chama o terceiro:
– Venha outro!
Este terceiro criou problema... Era magrinho tuberculoso mas até que disposto... por nome Evaristo... Eu sei, hoje, que o nome dele não era Evaristo, mas, na época, eu achava que era, porque, quando eu fui lá, ele se identificou assim pra mim... e eu chamava ele por Evaristo... Ele até me chamava de Catitinha, por causa do meu pai.
E foi este que quando Lampião mandou:
– Tira a caneleira!
Ele reagiu:
– Não tiro!
– Tira a caneleira, macaco!
– Não tiro! Não recebo ordem de bandido!
E começou a xingar Lampeão, chamando ele de froxo. Disse que ele não tinha mesmo coragem e que só pegando ele na traição pra ter vantagem... E pediu uma faca pra brigar com ele de igual... Até tabefe ele tentou dar em Lampião... Ele deu um jeito e pulou pra frente com uma disposição muito grande para dar a bofetada... Mas os cangaceiros seguraram ele, e um mandou um tiro que jogou o soldado no chão.
Aí, o Volta–Seca pediu:
– Meu padrinho! Deixe eu sangrar esse, que é atrevido!
Lampião fez que sim, e Volta–Seca foi até ele e sangrou... Passou a faca...
Uns dizem que ele bebeu o sangue... outros que, quando acabou de sangrar os soldados, foi pegar a faca e lamber... Depois, dando uma de bom, em Salvador, já preso, disse por aí que não teve nada disto... Teve! Ele deu as facadas e meteu a boca onde o sangue saía e chupou! E lambeu! Tanto que vomitou três vezes... Uma no passeio do açougue... Outra em frente à igreja... A última vez foi no passeio do clube, hoje Avenida Nonato Marques....
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José Moura de Oliveira - O "Seu Noza", de Queimadas
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Foi aí que a minha irmã Judite deu um grito vendo a morte deste terceiro... Não suportou. Teve uma crise muito grande. O meu pai tirou ela e colocou pra dentro.
O meu pai, o seu Catita, ele estava preparado, em casa, com uma malinche... Ele até tinha se preparado pra enfrentar e sair atrás dos cangaceiros... Então, se descobrissem, ele estaria perdido...
E ele se revoltou tanto com o que estava vendo, que pegou a arma e avançou em direção à janela... Ele disse...
– Sou bom de tiro! Acerto esse Lampião daqui! Bandido infeliz! Eu mato esse bandido!
A minha mãe correu e segurou ele e a arma. E ela pediu pra ele não fazer aquilo.
Ela, então, disse:
– Sei que você é bom de pontaria. Que pode acertar ele daqui e matar com um tiro. Mas e vai acontecer o que depois? Tem um monte de cangaceiros lá fora! Eles te matam e matam a mim e às crianças depois! Não tem como dar conta de todos!
O meu pai ponderou, e entregou a malinche a ela.
Depois da morte deste terceiro, bagunçou tudo... Foi um tumulto lá com os soldados, que gritavam desesperados. Não teve mais ordem e teve soldado ferido dentro do quartel mesmo.
E ele matou os sete soldados... Só poupou o sargento Evaristo...
Na festa, podia dançar, mas não podia conversar. as moças ficavam ali, no canto... os cangaceiros podiam ir lá e tirar pra dançar... E dançavam sem abusar ou desrespeitar... Os da cidade convidados também tinham que ficar sem falar com elas... Só podiam dançar... Ficavam afastados.
Teve coisa de Fé nessa da dança... Dona Anízia, filha de Hermelino Barbosa, fez promessa a São Geraldo, de rezar em família, se Lampião não mandasse buscar as moças da rua de cima para o baile... Se fosse dançar, que ficasse com as moças da rua de baixo...
Quando foram buscar moças para dançar. Um cabra de Lampião pegou um filho de Pedro Primo para ir buscar com ele as irmãs... na rua de cima... No caminho, ele perguntou se era longe... Eles estavam já bem na frente da igreja, pertinho da casa, e o jovem falou isso... mas o cangaceiro olhou e disse:
- Deixa lá que é muito longe... - e voltou.
O interessante é que, depois, esse mesmo cangaceiro foi buscar uma moça no Alto da Jacobina... Era três vezes mais longe e com subida... E foi lá com um primo da moça pegar ela...
Lampião disse que não tinha medo da polícia, porque os macacos tinham medo dele.
– Quando me vêem tremem tanto pra dar tiro que é só tiro pro céu e tiro por chão... e ficam só no céu! chão! céu! chão! céu! chão! E eu miro bem certinho dentro deles.
A essa altura, já tinha gente ido até a próxima estação e mandado aviso que Lampião estava saqueado Queimadas... O seu Golveia, coitado, mestre de linha da Leste, sofria de artrose nos joelhos e tinha dificuldade de andar... Ele estava indo para a casa do juiz, quando topou com um cabra de Lampião, que pediu dinheiro... Ele disse que estava sem nada, pois estava somente indo visitar um amigo... O cangaceiro mandou ele ir em casa buscar e foi para o otruo lado... Ele foi agé a estação e foi o mais rápido que pode, coitado, até Várzea do Curral... São seis quilômetros... Lá estavam trabalhadores fazendo reparos na linha... Ele praticamente desmaiou quando chegou lá... Foi colocado num troiler e levado até Santa Luzia... Golveia, aí, avisou todos lá do que estava acontecendo...
Avisaram todos por morse... A polícia organizou uma classe de 52 soldados... e tocaram pra cá.
De madrugada, Lampião chamou todos os cangaceiros e o bando ia partindo, quando ele olhou para Zeca de Canju e viu que ele estava assim, mais quieto... perguntou o que estava acontecendo.
Ele disse que estava pesnando melhor e que, quando se viu partindo, pensou como ia fazer com a mãe dele... que precisava muito dele, filho único, para cuidar... E que isso o entristecia.
Lampião, então, autorizou ele a partir... Imagina... Zeca de Canju tinha mais onze irmãos...
E o bando sai da cidade... Um vaqueiro, que não sei mais o nome, ouviu quando Lampião falou...
- Que cidade feiticeira!
Interrogado pelos cabras, ele disse:
– Vim pegar o leite e esqueci da vaca!
Os cangaceiros, estranhando, perguntaram o que era e ele disse:
– Esqueci a Coletoria!
Eles se olharam e disseram:
– A gente volta!
Lampião fez que não. Disse que nunca tinha voltado pra um lugar, depois de ter saído dele.
Os cangaceiros deram idéias.
- Capitão. Pra ir buscra o dinheiro na Coletoria, não precisam ir todos. O senhor escolhe três que irão com o canoeiro à casa do coletor... e trarão o dinheiro... Isto não é voltar...
Lampião, apeado do cavalo, ficou assim, com um braço sobre a sela, pensando.
Sendo fim de mês, todos sabiam que a Coletoria devia estar com as burras cheias...
Andou um pouco. Ficou de cócoras... pensando... rabiscando um pouco no chão... Levantou–se e colocou a mão no queixo.
Antes dele falar qualquer coisa, o trem chegando apitou.
Aí disse:
– Munta todo mundo! Ali pode vir macacos. Simbora!
Teve também coisa de Fé em Cristo, envolvida no episódio... A minha mãe, dona Maria Cecilia de Oliveira Moura, mais conhecida por dona Marocas, ao ouvir a minha afirmativa da presença de Lampião na cidade, fez uma promessa à Imaculada Conceição... que se Lampião esquecesse da Coletoria, que o meu pai era responsável, todo sábado ela rezaria em família, em sua honra, o Ofício da Imaculada Conceição... Acontece que, naquele tempo, se o dinheiro fosse roubado, o responsável, que era em Queimadas, o meu pai... tinha que devolver tudo...
Lampeão continuo seguindo... Chegou lá adiante, na Fazenda Marizinho, a uns três quilômetros de distancia, Lampião parou um vaqueiro e mandou:
– Vá em Queimadas e diga que os cangaceiros ficaram aqui, e estão bêbados dormindo em "baijo" dessa cajazeira...
E preparou uma armadilha. Era uma cilada.
O vaqueiro veio e disse ao tenente aquilo que ele tinha dito, mas disse que os cangaceiros estavam memso muito bêbados e que só Lampião estava sóbrio.
Os soldados cercaram o tenente Geminiano, pedindo pra ir atrás dos cangaceiros... Tinham ali a informação.... E o tenente foi ficando nervoso, perdendo o controle... Então... ele defecou... Foi algo que comentaram muito depois... Não que ele fosse covarde, mas a pressão fez ele ficar com medo e aconteceu aquilo... Tiveram que socorrer ele... e acalmar... e limpar... Tiveram mesmo que dar uma limpeza na roupa e nele.
Quando ele se recuperou, disse que não autorizava a perseguição, porque tinham era que proteger a cidade de Santa Luzia, que Lampião poderia estar indo para lá... Tinham que organizar a defesa.
Os soldados, quando ouviram isso, com o corpo dos companheiros ali, ficaram com muita raiva, chorando mesmo... Foi uma comoção muito grande.
Por causa disso, veio uma determinação depois da Secretaria de Polícia... dizendo que em caso de negativa de oficial combater, se houvesse soldados dispostos, que se agrupassem em torno do mais antigo e partissem.
O sargento Evaristo ficou muito abalado... Muito mesmo... Cabisbaixo o tempo todo... e era um homem tão bom...
Eu, da janela, vi só a confusão de gente lá de pé, perto de onde estavam os corpos dos soldados.
O sargento Evaristo chegou a ser expulso da Polícia... Acusaram ele de ter favorecido Lampeão... De ter feito acordo com os cangaceiros... e traído os soldados... Mas ele questionou e o caso foi rejulgado... e ele foi inocentado e muito elogiado...
Lampião tinha dito que ele ia morrer de velho... Pois ele foi, depois, para Santaluz, onde abriu um comércio e morreu mesmo... de velho...
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Para utilizar as matérias deste blog, atentar para:
Como citar
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30 de abril de 1926, no “A Tarde”

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30 de abril de 1926, no “A Tarde”:
UMA CARTA DE “LAMPEÃO”
Como documento curioso, vale divulgada a seguinte carta escripta pelo celebre “Lampeão” ao sargento commandante do destacamento de Joazeiro, no Ceará:
Ilmo. sr. José Antonio. Eu lhe faço esta, até não devia me sujeitar a te escrever, porém, sempre mando te avisar, pois, eu soube que vc., no dia que eu cheguei ahi na fazenda vc., esteve prompto para vir me voltar porém, eu sempre lhe digo que você crie juizo, e deixe de violencias, a pois eu venho chamado é por homem, e mesmo assim, vc. com zuada não me faz medo. Eu tenho visto, é, coisa forte, e não me assombra, por tanto vc. deve tratar de fazer amigos não para fazer como vc. diz., sempre lhe aviso, que é para depois vc. não se arrepender e nada mais, não se zangue, isto é um conselho que lhe dou. – Do capitão VIRGOLINO PEREIRA DA SILVA.”
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* Copiado corretamente - O jornal colocou "Virgolino Pereira da Silva" na sua transcrição.
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09 janeiro 2012

24 de agosto de 1928, no “A Tarde”

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Lampeão atravessou a fronteira bahiana
Tomou a cavalhada de um chefe politico e proseguiu.
Demos hontem hum telegramma em que se dizia que Lampeão fôra assignalado nas proximidades da fronteira da Bahia. O terrivel facinora – podemos hoje accrescentar – atravessou a linha divisória, no dia 21, á frente de um pequeno grupo. Viaja sob o falso nome de Manoel Netto, dizendo-se sargento da policia pernambucana.
Em Varzea da Ema, no municipio de Santo Antonio da Gloria, encontrou o coronel Petronillo Reis, chefe politico local, cuja cavalhada arrebanhou, trocando o seu grupo de montadas e continuando para Feira do Pau.
Embora seja a primeira vez que atravessa a nossa fronteira, Lampeão conhece a região nordestina bahiana palmo a palmo, pois, como tropeiro do coronel Delmiro Golveia andou por tudo isso conduzindo pelles e coiros.
Attribue-se que elle tenha vindo ao nordeste para recrutar gente da sua laia, assassinos profissionaes, visando sobretudo os do bando de Antonio da Engracia, que vem sendo perseguido pela policia baiana.
O tenente Waldemar Lopes., com a sua força volante, seguiu no rastro de Lampeão. Outros destacamentos bahianos e pernambucanos, como pedras de um taboleiro de xadrez, estão sendo movidos para um possivel cerco do valente cangaceiro.
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O Relatório do Tenente Geminiano

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Relatório do Capitão José Galdino de Souza, de Senhor do Bonfim sobre Relatório do tenente Geminiano José dos Santos, relativo ao Massacre de Queimadas, com transcrição daquele, encaminhando-o à Secretaria de Policia e Segurança Pública da Bahia.
Peça importante para o entendimento deste evento referencial no Cangaço, relata, a partir do ponto-de-vista do tenente Geminiano, o massacre de Queimadas.
Documento relevante, especialmente por o tenente Geminiano ter sido morto, mais tarde, em confronto com o bande do cangaceiro Lampeão.
Conseguido por mim, em levantamento em arquivo de documentos da Polícia Militar da Bahia.
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Ao Exm° Sr. dr. Bernardino Madureira de Pinho
M.D. Secretario de Estado, Policia e Seguraça Publica da BAHIA
Divulgado o horrendo morticinio de 7 (sete) praças do destacamento da Villa de Queimadas, praticado pelo bando “Lampeão” em a tarde de 22 do expirante, ás 3,35 minutos da manhã de 23, em trem especial, fiz seguir áquella Villa, o 2° Tenente Geminiano José dos Santos para garantia e em uma incumbencia, tambem, de prestar informes sobre a chacina, cujo relatorio feito com o auxilio perspicas e intelligente do Sr. CPm. Médico Dr. Arthur Xavier da Costa, moço este, durante a minha acção nesta cidade muito vem concorrendo para a bôa ordem publica e incitamento de coragem aos camaradas cntra o banditismo que infelizmente vem demorar a sua extinção.
Na integra transcrevo a Vossa Excellencia o Relatorio que acima referi:
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RELATORIO APRESENTADO AO CAPITÃO JOSÉ GALDINO DE SOUZA, A RREPTO DA ENTRADA DE LAMPEÃO EM QUEIMADAS, PELO TENENTE GEMINIANO JOSÉ DOS SANTOS
Illmo Sr. Capitão José Galdino de Souza, em conformidade com as vossas ordens afim de apurar as occorrencias da incursão de Lampeão em Queimadas no dia 22 de dezembro corrente tenho a dizer–vos que me transportei áquella Villa, trem especial ás 3,35 da manhã de 23, e lá chegando, procurei logo o Sr. Dr. Arlindo Simões que me historiou do facto e com o mesmo vos dei conhecimento pelo telegrapho do occorrido. Procurando em seguida o Dr. Manoel Hilario Nascimento, Juiz Preparador do Termo que me forneceu as informações seguintes: Em cerca de 3 horas e 40 minutos da tarde de domingo 22 treis individuos em trages de cangaceiro se dizendo mesmo caibras de Lampeão e que depois elle soube serem Marianno, Antonio de Engracia e Gavião invadiram a sua residencia exigindo pagamento em dinheiro; que á sua recusa elles responderam que nesse caso se considerasse preso e elle, reacção nenhuma podendo fazer, ficou á discrecção dos mesmos. Tempos depois entrou o proprio Lampeão com parte do seu grupo trazendo o sargento Commandante do Destacamento, que não foi logo por elle reconhecido pelo facto de se achar a paisana, o que elle fazia questão de accentuar pois era a primeira vez que via o sargento em trajes não militares. A elle foi confiado, occasião, a guarda de todo o armamento do destacamento que ficou depositado em sua casa até a hora da saida, pela madrugada. Em seguinda o proprio Lampeão exigiu do Juiz preparador, mesmo de pyjama como se achava, a sahida á Rua afim de apresental–o as pessoas que podessem lhe fornecer dinheiro; que o Juiz reccusando sahir de pyjama por ser um autoridade e não lhe ficar isso bem o proprio Lampeão concordou em que fossem chamadas as pessoas em sua casa para ahi, determinar as quantias com que casa um devesse contribuir para o saque; que pelo proprio official de Justiça elle mandou chamar alguns negociantes cujos nomes eram tomados pelo proprio Lampeão sendo elle mesmo Lampeão quem prefixava a quantia. A proporção que cada negociante se apresentava, dava o nome e por sua vez o mesmo negociante ia indicando outros que podiam tambem entrar com dinheiro.
Obtidas essas informações do Juiz Preparador ouvi pessoas outras na localidade que me informaram, mais ou menos, o seguinte: Em as 15 horas de domingo 22 de dezembro foi visto um grupo atravessando o rio em canôa, grupo esse que pareceu a muita gente ser força Pernambucana; que dois ou treis delles se dirigiram logo a estação da estrada de ferro que foi fechada sendo preso o telegraphista; que Lampeão e mais cinco do seu grupo se dirigiram para o quartel onde surprehenderam o sargento e mais 5 praças sendo as duas restantes presas na rua e conduzidas ao quartel; que o sargento Evaristo Carlos da Costa, commandante do destacamento lhe informou que só deu pela presença do grupo de Lampeão quando já habia galgado a escada que dá acesso para o Quartel estando os fuzis e a munição de reserva, em outro compartimento, não lhes foi possivel uma reacção dado o imprevisto da chegada. Informou mais, o sargento, com testemunho de outras pessoas da localidade que, Lampeão, recolhidos os soldados no mesmo xadrez, em que estavam os criminosos, os foram postos em liberdade, exigiu do sargento a entrega de armamento e da munição; que elle, mesmo sem poder fazer redução respondeu que não podia dar armamento e munição pois que estava sob guarda e delles era responsavel; que Lampeão respondeu que a responsabilidade delle tinha cessado, pois que naquelle dia, alli em Queimadas, elle Lampeão, era tudo – Chefe de Policia, Governadôr, tudo enfim; que em seguida perguntou–lhe se sabia onde era a casa do Juiz obrigando–o a ir com elle até lá, onde depoisitou o armamento já tendo sido a munição repartida entre os caibras, munição essa que era calculada em cerca de SEISCENTOS CARTUCHOS; que em casa do Juiz permaneceu longo tempo sempre guardado indo depois ao bar do Cirsio onde os caibras quizeram que elle bebesse; que á sua recusa lhe foi offerecida gazoza, que elle tomou por lhe ser impossivel reccusar; que nessa ocasião foi avisado de que a noite haveria um baile e que elle estava convidado para dansar; que, com a bebida, tambem recusou dizendo que nunca havia dansado ao que não insistiu; que em seguida levaram–no para a casa do sr. Amphiloquio Teixeira onde permaneceu longo tempo; que teve varias oportunidades dentre ellas se lembra da occasião em que estava na casa do Juiz, de fugir, mas não o fez por ser um ato de covardia embora estivesse certo de ir morrer sendo que uma das vezes pediu a um popular, seu conhecido, uma arma para suicidar–se idéa logo affastada pelo facto da difficil aquisição da arma; que viu varias pessoas confabulando em casa do dr. Amphilophio Teixeira com o bandido Marianno, seu principal guarda, sendo que uma daz vezes aquelle respondeu: – não, não sei. vou falar com o capitão mas acho difficil; que só depois veio a saber que esta confabulação tinha por fim a obtenção de sua liberdade, nem um pedido porem, tendo feito elle até então; que chegou Lampeão, cerca de 5 horas da tarde depois de conversar com pessoas da casa do dr. Amphilophio e com o proprio Marianno perguntou–lhe se elle sargento Evaristo não sabia que tudo que elle Lampeão prometia cumpria; que respondeu que já tinha ouvido fallar nisso; disse–lhe isto que tinha perdido um homem em Aboboras, a quem era tão grato que se matasse toda a Força Publica não lhe pagava o companheiro perdido e a quem lhe devia a vida. Em seguida Lampeão communicou–lhe que aberta para elle uma excepção coisa rara aliás, resolvendo não mais matal–o e que elle podia ficar á vontade que nada mais lhe aconteceria; que tendo Lampeão lhe communicado que ia fazer uma besteira no quartel e comprehendendo elle que isso significava a morte dos seus companheiros que estavam presos elle então disse a Lampeão: – vou lhe fazer o primeiro pedido, depois que eu estou preso; não desejo assistir a morte dos meus companheiros; ao que Lampeão lhe respondeu ser indifferente, que podia deixar de ir sendo–lhe exigida ainda a entrega de dois fardamentos kakis, que elle mesmo foi buscar em sua casa sendo esta mais uma das vezes em que não quiz fugir; que tão atordoado estava com os factos desta tarde que nem ouviu os estampidos dos varios tiros com que foram trucidados seus companheiros, só mais tarde, por occasião da saida do grupo foi que veio a saber da chacina havida. Pude apurar por informações da população e principalmente do Juiz Preparador que o sargento já havia dado provas de energia principalmente na occasiao da passagem de Curisco nas visinhanças de Queimadas quando queimou a Estação do Rio do Peixe e que com os proprios soldados era sempre energico mas não passava desapercebido á população o abandomno principalmente por parte das praças e que todos se admiram da facilidade do sargento nesse dia em que foi surprehendido por Lampeão. Outras informações foram por mim colhidas e que embora não tenham grande ligação com a minha funcção não é de mais que as traga ao vosso conhecimento, antes porem digo devo informar–vos que os nossos companheiros ás cinco e treis quartos, mais ou menos, foram barbaramente trucidados por Lampeão e seu grupo tendo Lampeão da casa do Juiz, se feito acompanhar pelo carcereiro até ao Quartel; que lá chegou Lampeão e mais dois outros entraram acompanhados pelo carcereiro que recebeu ordens de abrir o xadrez; que o quartel, no tempo do occorrido entre a prisão e a chacina ficou sob a guarda de seis criminosos que foram soltos por Lampeão sendo dois delles praças comdemnadas, digo a espera do julgamento; que as praças no dia seguinte voltaram ao quartel mandando o Juiz já que ellas não quizeram fugir ficassem em liberdade e que os quatro criminosos evadiram–se; verdade dessas informações áquellas passadas no proprio officio do quarte, algumas dellas eu obtive dos proprios que foram testemunha de vista da chacina; que aberta a porta do xadrez pelo carcereiro Lampeão ordenou ao primeiro soldado que desceu a escada ... dois tiros na cabeça dados pelo bandido Antonio conhecido por VOLTA SECCA em seguida sangrando o soldado quasi cadaver; que ao ouvir dois estampidos o carcereiro confessou não mais ter animo para abrir a porta do xadrez, sendo o proprio Lampeão quem, com um ferro levantou a lingueta da porta do xadrez deixando passar o segundo soldado que teve o mesmo castigo e assim todos os outros; que o proprio carcereiro foi empurrado por Marianno para ter a sorte que Lampeão não fez dizendo; que elle não era macaco e que tinha familia grande, que dahi se dirigiram á Pensão todos os dezoito do grupo, só o Ezequiel Ferreira, PONTO FINO, irmão de Lampeão não comeu se queixando de que tinha apanhado um resfriado havendo quem pense que elle esteja tuberculoso, pois confessou que estava muito doente e que precisava descançar; após o jantar que não pagaram e onde foram servidos por representantes de casas commerciaes da Bahia dirigiram–se para o Cinema onde forçaram o proprietario a dar uma secção cinematographica seguindo–se depois as dessas para o que convidaram varias familias da ocallidade; assim dançaram em a casa do Sr. Antonio Felix Baptista, na casa do Sr. Antonio Ferreira de Araujo, representante do Banco do Brasil e proprietario do Cinema e na Sociedade Recreio queimadense onde permaneceram até a hora de se movem cerca de duas e meia hora da manhã; que tanto durante a scção cinematographica e como durante as dansas, apenas tomaram parte 10 inclusive Lampeão, ficando os outros oito fiscalizando as immediações e até mesmo a Estação. em um quadro feito a lapis da Sociedade Recreio Queimadense, o proprio Lampeão traçou as seguintes palavras que transcrevo: “22 dezembro de 29, Peço desculpe a o Governador Em eu Capm. Lampeão dar Este Paceio aqui em Queimada e asesti Em Um Senema lhe didio devera não Endoide Seu Governador Vitá Suór apois com Sua perseguição Estou engordando até penço que vou é mi cazar. Seu superior, Cap. Virgulino Ferreira Lampeão.” – Convem accentuar, como homenagem á sua memoria para que sirva de estimulo que seus companheiros que o soldado Aristides Gabriel de Souza ao ser convidado por um dos bandidos para levantar o rosto porque ira morrer, Respondeu: – Vocês matem um homem, covardes, porque pegaram de surpreza seus descarados – deste ato de coragem que lhe valeu maior trucidamento do que seus companheiros, peço e indo communicar–vos que, por investigação pessoal do dr. Xavier Costa, que alli se achava no serviço de exhumação dos referidos cadaveres por ordem do Exm° Sr. dr. Secretario da Policia, fui informado que a p. da Pensão, Lampeão, em um momento do intima expansão disse ter assassinado Curisco porque estava se tornando muito altivo e ousado, o que parece ser uma verdade porque os seus companheiros de ataque á estação do Rio do Peixe estão todos com Lampeão não se fallando mais em Curisco.
Assim, cumprindo as vossas ordens declaro, ainda, como um preito de justiça, que para perfeito desempenho da minha missão contei com o auxilio valioso, em todas as investigações, como boa vontade do Sr. Capm. dr. Arthur Xavier da Costa, segundo vosso pedido a elle feito. Saudações
CIDADE DO BONFIM, 24 DE DEZEMBRO DE 1929
(A) Tenente Geminiano José dos Santos
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Respeitosas Saudações
Cidade do Bomfim, 25 de Dezembro de 1929
Capm. José Galdino de Souza
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Como citar
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06 janeiro 2012

23 de agosto de 1928, no “A Tarde”

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23 de agosto de 1928, no “A Tarde”:
Após 3 meses de ausência, refugiado nos sertões de Alagoas, reaparece, na fazenda Gravatá, distante 4 léguas da Cachoeira de Paulo Afonso, e sendo incontinenti perseguido pelas forças de Alagoas e Pernambuco, o grupo de Lampião, que atravessou a fronteira de Pernambuco, a poucas léguas acima de Tacaratu.
O grupo está reduzido a 5 bandidos, que atravesssaram o São Francisco, rumando para a Bahia, seguindo em sua perseguição o tenente Queiroz e o sangento Petronilo, ambos da polícia pernambucana.
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10 de agosto de 1928, no “Diario de Noticias”

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10 de agosto de 1928, no “Diario de Noticias”:
Lampeão!
Automoveis não trafegam entre Pedra e Garanhuns
MACEIÓ, 9 Argos – Foi suspenso o transito de automoveis entre Pedra e Garanhuns, devido á falta de noticias do paradeiro de Lampeão e seu grupo, que se presume continuar amparado por acoitadores.
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05 janeiro 2012

Depoimento de Maria José de Oliveira, de Itiúba

Maria José de Oliveira e Robério Pinto de Azeredo
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Depoimento de Maria José de Oliveira, aos 86 anos, de Itiúba:
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Meu nome é Maria José de Souza... Solteira, eu era Maria José de Oliveira... Nasci e cresci na Fazenda Campinhos... Eu tinha somente seis anos de idade, mas foi um acontecimento tão assim que eu lembro muito bem tudo... lembro como se fosse ontem... Em 1931, não lembro o mês, eu estava na casa do meu pai, com a minha mãe e a minha irmã... A minha mãe tinha acabado de preparar o almoço... Lá comiam dezessete pessoas... Naquele dia, ela tinha preparado uma leitoa... farofa... quando chegaram aqueles homens, a cavalo... Estavam todos montados... Tinha uma mulher com eles... O que era o chefe deles... dava para ver que era ele quem mandava... entrou na casa e foi até um móvel que tinha uma gaveta... Ali ficavam guardadas as coisas da família... Ele pegou uma faca e começou a forçar a gaveta para abrir... A minha mãe, Abrosina Maria de Oliveira, não deixou... Chegou perto e pediu a ele que não arrombasse a gaveta... Que ela daria um jeito naquilo... O meu pai era quem sabia onde estava a chave, mas ele tinha saído para ir na casa da minha avó Elvira... que era mãe dele... Então, minha mãe pediu à minha irmã, Edite Maria de Oliveira, que casada virou Edite Maria Brasileiro, que fosse chamar meu pai... E ele veio logo... Enquanto isto, os cangaceiros pediram à minha mãe para botar o almoço para eles... Como tinha a leitoa pronta, com farofa, minha mãe foi colocando a comida no prato e passando para eles... Ele lembro de eu ficar com medo, atrás dela, enquanto ela se mexia rápido pra colocar o almoço... Eles estavam comendo quando o meu pai chegou... Ele se apresentou e foi pegar a chave... Abriu a gaveta e os homens pegaram tudo... Tinha muito dinheiro... muitos réis... e anéis e cordões de ouro... Pois eles levaram o dinheiro e os ouros... Meu pai conversava com eles, quando eles comiam... Ele perguntou a um homem como chamava o nome dele... Ele disse que era Volta–Seca... E o meu pai perguntou como se chamava a mulher... e ele disse que ela se chamava Iolanda...
Eles, então, foram saindo com os pratos na mão... comendo... Levaram os pratos... Então, eles montaram e foram até a casa da minha avó Felícia, mãe da minha mãe, que eles tinham sabido que tinha ouro... Mas ela negou... Eles exigiram... e ela negou que tivesse... Aí bateram nela muito...
Então, pediram ao meu primo Anjo... o Ângelo... para levarem eles até o Ariri... É que lá morava o Manezão, e eles tinham informação que ele também tinha muito ouro... que era rico... Saíram daqui e seguiram em direção a Pintada... que é caminho de Ariri... Mas o meu primo, não sei como, conseguiu desviar eles em direção ao Umbuzeiro... Acabaram deixando meu primo para trás...
A minha mãe, depois, foi um pouco no rastro deles e disse...
-Olha um prato ali!
Eles foram comendo, acabando, e jogando os pratos pelo caminho...

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25 de maio de 1928

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25 de maio de 1928, no “Diario de Noticias”:
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Dr. Luiz do Prado Ribeiro
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A endemia do cangaceiro!

“Os sertões, diz–nos o ex–delegado regional dr. Prado Ribeiro, continúam sem garantias”
O dr. Prado Ribeiro, quando occorreu a tragedia de Jurema, achava–se proximo ao local. S.s. chegado a esta capital foi ouvido pela nossa reportagem:
– O sertão bahiano, como eu tenho sempre affirmado, continúa sem garantias.
A situação é invariavelmente a mesma de todos os tempos. O que se disser em contrario é mentira, é intrugisse, como se diz na giria carioca. Nada se tem feito até agora para melhorar esse estado de coisas.
Tenho lido muita mensagem bonita, ouvido muita rethorica, sabido de muita promessa, mas, o problema está insoluvel.
O banditismo na Bahia já é uma endemia, como a febre amarella, a politicagem e outras pragas maldicyas que dissangram e flagellam, dolorosamente, a decantada Moema de seios titanicos.

Quando se quer extinguir–se, combate–se!

O dr. Góes Calmon – continuou – começou a fazer alguma coisa quando me incumbiu de exterminar o banditismo numa das mais ricas regiões do Estado, fronteiriça aos Estados de Piahy e Goyaz.
O que fiz consta do meu relatorio o qual, não sei por que, nunca foi publicado. Nelle enumero os bandidos que morreram em combate, resistindo á força publica e os que se regeneravam pelo trabalho na localidade em que residiam.
Appéllo para os viajantes commerciaes desta praça para que digam se de facto essa região após a minha acção não ficou policiada e completamente pacificada.
Só comprehendo extincção do banditismo assim a ferro e fogo, agarrando–se o banditismo na sua toca e o eliminando, caso elle venha a resistir, o que é um bem para a sociedade.
A acção é essa: não dar treguas nem guarida aos bandidos até que fujam ou morram nas refregas da liuta armada.

Medidas indispensaveis


– Como se livrar os sertões da jagunçada?
– Se a minha experiencia lograsse ser ouvida, eu faria, aqui, algumas considerações suggerindo mesmo, medidas que supponho melhoraram muito esse estado de coisas quando não resolverssem cabalmente o referido problema.
O dr. Madureira de Pinho, titular da Secretaria de Policia, a quem devo muitas distincções pela sua fidalguia de trato bem poderia chamar a si essa benemerencia, atacando de frente o banditismo e o estirpando do Estado; iniciando para o sertão uma éra promissora de paz, de bem estar e de tranquilidade absoluta.
Duas grandes medidas administrativas, entretanto, são preliminarmente necessarias, sem o que tudo será de balde: o aperfeiçoamento da policia militar com os expurgo dos maus elementos e o exterminio dos nucleos de homens armados pertencentes aos chefes politicos municipaes, os quaes são ameaças constantes ao proprio governo do Estado, como no caso de Lençóes, por exemplo.
Alem disso é preciso adaptar–se a nossa força armada ás regiões do nosso vasto “hinterland”, creando–se a policia volante, em diversas regiões, apetrechada e montada para se deslocar com facilidade e attender as necessidades urgentes em outros pontos.
– Ha mais, quanto á tropa: o alliciamento sem selecção, “pret” insignificante e difficil de ser recebido, o que difficulta as diligencias, trabalhando com má vontade.

Uma praxe má adoptada


– Quero me referir á praxe adoptada, numa imitação do que faziam os celebres “batalhões patrioticos”: a policia toma, á força, os animaes e arreios dos sertanejos. Ao commandante da Policia, um brioso official, meu velho camarada, communico o facto, do qual ignoram as auctoridades superiores.
As façanhas de Antonio Souza é uma prova da deficiencia de nossa policia a e de que o banditismo, aqui, domina todas as zonas.
São dezenas de desgraçados que diariamente caem, varados por balas assassinas ao mando de politicos e bandidos desapiedados. E vem logo á mente a pergunta seguinte: – A policia o que fez?... Nada, por que nada poderia fazer... Muitas vezes nem a imprensa chega a saber o que se passara, pois a propria policia não tem nenhum interesse que essas noticias sejam divulgadas. Finalmente o sertão é ainda o de cem annos atraz, com a differença que os homens estão peores.
Antonio Souza, official da policia pernambucana!
– Uma prova da degradação dos nossos homens publicos: o governo de Pernambuco commissionára Antonio Souza como official da sua policia.
Mesmo conhecendo os precedentes desse criminoso, pois o seu chefe de policia dr. Lauro Leão disso fôra scientificado em Janeiro.

Falando franco como amigo leal


Concluiu o dr. Prado Ribeiro:
– Sou dos que tem grande esperança na administração do dr. Vital Soares. Creio, com sinceridade, que, se elle conseguir extirpar alguns males enraizados em nossa terra, fará um optimo governo, já, pois, pelo seu descortinio intellectual, já porque elle vem das predicas do velho Ruy, as quaes têm sido tambem o meu phanal, durante estes meus curtos e já longos dias de existencia. Nas dobras da bandeira gloriosa do grande apostolo, é que comecei a espalhar, com este calor e esta vehemencia que me caracterizam, os ideaes de regeneração e de liberdade, pois, como elle, quero uma Patria livre, grande, democratica e verdadeiramente republicana. Estou, pois, falando como amigo. O mal do nosso pais é que os homens publicos se cercam, commummente, de aduladores e aulicos, os quaes nunca dizem a verdade, com receio de melindrar aos seus amos politicos. Eu, porém, que não tenho senhores e nem tenho a quem adular, pois nasci, quando já não existiam escravos, costumo sempre dizer o que a minha consciencia dita.
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19 de maio de 1928

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19 de maio de 1928, no “Diario de Noticias”:
Lampeão novamente consegue escapar depois de tiroteio com as forças policiaes
Lampeão!

Novamente a policia trava tiroteio om o celebre bandido, mas... o grupo foge
RECIFE, 18 – Argos – O chefe de policia recebeu o seguinte telegramma:
Água Branca – Communico a vocencia que o sargento Zé Grande cercou o grupo Lampeão neste municipio, sustentando vivo e cerrado tiroteio, resultando na morte de dois individuos, fugindo o grupo em completa debanda, deixando fuzis, munições, embornaes. cpmchas, cabaças, etc.
A força verificou depois que os individuos mortos eram coiteiros que foram levar viveres ao grupo e que alli se encontraram na mesma ocasião do tiroteio.
A força, apezar da galhardia com que se bateu, não conseguiu exito melhor porque Lampeão e seus apaniguados presentiram a approximação da mesma, preparando a resistencia, havendo dado as primeiras descargas.
O sargento continúa na pista dos bandidos, havendo seguido tambem em diligencia o capitão Ferreira, tomando providencias para que todas as forças se aproximassem na direcção do grupo. – Major Lucena, commandante das forças alagoanas
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