27 março 2012

Ecos de Canudos no Cangaço... Depoimento de Edmar Rocha Torres

Edmar Rocha Torres
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Depoimento de Edmar Rocha Torres:
“O meu pai, Emar do Prado Torres, foi o engenheiro civil responsável pela abertura de estrada na região de Canudos, entre 1930 e 1932. Como a região estava infestada por cangaceiros, e era muito perigoso o trabalho, meu pai precisou prevenir-se... Dos cento e vinte trabalhadores contratados, vinte eram para proteção... Eram jagunços, que se revesavam em dois turnos, dia e noite, dez a dez... Às vezes com alguns a mais...
Acima, o chefe da obra, engenheiro Emar do Prado Torres, então com cerca de 25 anos de idade, aparatado para eventual defesa da obra.

E some a isto, na verdade, que todos os trabalhadores estavam armados com seus fusis... Isto é... Eram, na verdade, mosquetões... Acontece que, considerando a insegurança da área, o interventor, que havia adquirido os mosquetões apreendidos quando da revolta de São Paulo, da década de 1920, mandou distribuir entre os trabalhadores... Estavam, assim, todos armados... E o chefe deles era Pedrão, que tinha lutado em Canudos, e aparece, inclusive citado por Euclydes da Cunha...
Outro que lutou em Canudos, como líder, mas não apareceu nos relatos, foi Canário... Este também, com Pedrão, coordenava os jagunços.
O exército mandou uns oficiais especialistas em tiro para dar treino aos matutos... mas, quando chegaram lá, viram que os matutos eram, na verdade, jagunços formados e que entendiam de armas até muito mais que eles... E eram muito bons mesmo de pontaria e manejo... Aí, pros... oficiais bons de tiro... acabou virando um passeio e até mesmo aprendizado para eles próprios...
O Pedrão usava dois punhais... Um era aquele grande, atravessado na cinta... Outro era o pequeno, muito afiado também, que ele mantinha preso aqui, na coluna, abaixo do pescoço, nas costas, porque dificilmente alguém revistaria ali... Ele prendia com uma espécie de emplastro... É este punhal aqui...
Se mandassem levantar as maos, ele, com as mãos na nuca, estava com elas pertinho da arma...
Quando as obras estavam para acabar, o Pedrão o deu ao meu pai...

Punhal de Pedrão - atualmente no acervo do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, doado por Edmar Rocha Torres.

Ele tinha um auxiliar terrível, famoso entre os outros jagunços... Era o “Gato”... Ele chegou até o meu pai indicado por Manoel Novaes. Tina um cabelo alourado longo, olhos muito azuis.
Ele disse:
- O seu Manoel Novaes pediu para eu proteger o senhor.

Ele tinha ido para lá também porque onde ele estava antes fora jurado de morte.
Era muito brabo... Ele sabia das coisas... porque também era de Serra Talhada, em Pernambuco... E todo mundo sabia dele e se pelava de medo e respeito... E ele era mesmo terrível... Só colocavam ele para missões de muita violência... Isto a tal ponto que ele não confiava em ninguém... Tanto fazia que sabia que estava marcado para morrer... Então, quando dava a janta, ele mesmo preparava as coisas dele, com todo cuidado, e comia... Pegava uma rede e sumia... Somente aparecia na manhã...
Na escuridão, caminhava, conforme ele disse depois ao meu pai, por cerca de dois quilômetros, em uma direção qualquer, escolhida para aquela noite... e que jamais repetia no todo... Então, por uns quinhentos metros, procurava uma situação em que ele pudesse pendurar a rede e ficar o mais escondido possível...


Acima, grupo de jagunços de um turno de defesa em construção de estrada, próximo a Canudos, em 1931. O segundo de pé, da esquerda para a direita é o chefe do grupo, o jagunço Pedrão, um dos líderes da Guarda Católica da rebelião de Antonio Conselheiro. Tendo sobrevivido ao drama de Canudos, emprestou sua experiência na liderança de jagunços contra os cangaceiros.
De pé, na frente, o jagunço apelidado Gato, tido como dos mais sagazes e violentos do grupo. Na mesma foto, à direita, um oficial do exército, enviado para dar instrução de uso das armas, mas que percebeu ser tal completamente desnecessária, em função do conhecimento dos jagunços.
Era ele o responsável pela segurança do meu pai, quando ele ia buscar o dinheiro para pagar as despesas da empresa, os funcionários e os jagunços...
Quando a obra acabou, meu pai pediu ao oficial responsável que as armas ficassem com os sertanejos. Colocou que eles poderiam ser alvo de vingança, por suas participações naquela defesa da estrada. Como não eram fuzis tombados, mas os tomados de São Paulo, o militar concordou, pegou os recibos de empréstimo e rasgou na frente do meu pai.

Quando tudo acabou, o Gato sabia que estava marcado e que se ficasse ali morreria... Aí, o meu pai trouxe o Gato para Salvador, e deu ele começou a trabalhar como um pacato jardineiro na casa da minha tia... Quem visse nem acreditaria quem ele era e do que era capaz...
Finalmente... um irmão dele que trabalhava em Santos, com um negócio daqueles transportes antigos... lotação... para empresas... chamou Gato e ele foi... Nunca mais se soube dele...

Nem mesmo o nome real do Gato eu sei... O mais terrível dos jagunços na imposição do regime de defesa contra os cangaceiros na empresa, sob a liderança do Pedrão...
Deste jeito... que bando de cangaceiros atacaria, ali, e quando? Nunca...
O meu pai, deitado na rede, aproveitando a presença desse cabra de Conselheiro, ia lendo a história do livro “Os sertões”, e ele, o Pedrão, sentado no chão, perto, ia dizendo se estava certo ou errado... Meu pai achou que ele era fidedigno, pois teve ocasiões que Euclydes creditou vitória aos jagunços e ele desmentia dizendo que tinham perdido tal e tal confronto... Ninguém mente contra si mesmo...
Finalmente, o Pedrão foi esmirrando... Veio a Salvador tratar de um câncer na faringe... e o meu pai que o apresentou aos médicos que poderiam ajudá-lo... Finalmente, voltou para morrer na terra dele... Acabou tão mal... Carregado numa gamela...


Pedrão, já idoso, com Manuel Ciríaco, dois guerrilheiros em Canudos.
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2 comentários:

  1. Essa postagem é um preciosidade para compreender a história do Nordeste.

    Lima Júnior

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  2. Histórias como essa não devem ser esquecidas!

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