Nós, historiadores, estudiosos, pesquisadores e escritores
especializados no tema Cangaço (abaixo assinados) com atuação em vários estados
brasileiros, fomos surpreendidos, neste corrente mês de abril, com a notícia
segundo a qual o município de Barra do Mendes (BA), aprovou, com o apoio do
governo estadual, a construção de um monumento memorial em homenagem ao bandido
Corisco e sua cúmplice Dadá, a ser instalado na fazenda Pulga, de propriedade
da família Pacheco, local onde o casal, ao reagir à voz de prisão da patrulha
volante da Polícia Militar da Bahia, foi atingido por tiros.
Em consequência, Corisco foi mortalmente ferido, vindo a
falecer na manhã do dia seguinte enquanto era transportado em caminhão para
Miguel Calmon.
Dadá, atingida no pé, foi capturada. Hospitalizada, por
conta de complicações do Diabetes, teve a perna amputada devido à gangrena.
Nessa linha, para quem desconhece a história dos
homenageados, é fundamental recordar que Cristino Gomes da Silva Cleto (Corisco
– 1907-1940), foi um dos mais notórios cangaceiros do bando de Virgulino
Ferreira da Silva (Lampião), que aterrorizou o Sertão nordestino entre
1916-1938. Nesse período tenebroso da história do Nordeste, os cangaceiros
cometeram centenas de assassinatos, roubos, sequestros, estupros, torturas,
incêndios em fazendas de proprietários de classe média e assaltos ao comércio
de pequenas cidades e povoados, levando populações inteiras à miséria absoluta.
Ainda neste contexto, erra quem pensa que os cangaceiros
foram justiceiros sociais, revolucionários ou defensores dos fracos e
oprimidos.
Na verdade, esses bandos compostos por degenerados
ensandecidos, foram aliados dos velhos coronéis latifundiários, exploradores do
povo pobre, que forneceram abrigo, logística e armas com as quais os
cangaceiros trucidaram os sertanejos desvalidos que se recusaram, heroicamente,
a colaborar com suas atividades criminosas.
Com relação especificamente a Corisco e Dadá, prestes a
virarem nome de praça, os mais cuidadosos pesquisadores e historiadores do
Cangaço, somados à imprensa nacional e internacional, registraram ao longo dos
anos em seus jornais, revistas, livros, documentários e reportagens que o
bandido em questão supostamente raptou Sérgia Ribeiro (Dadá – 1915-1994),
quando a mesma tinha treze anos.
Seja como for, o fato é que, dois anos mais tarde, Dadá já
estava totalmente adaptada à vida do crime, tornando-se comparsa de seu
companheiro nos assaltos e roubos, inclusive os seguidos de morte.
Entre eles consta o brutal assassinato de Herculano Borges,
ex-subdelegado da Polícia Civil baiana, ocorrido em 1931. O policial transitava
pelo Sertão quando foi capturado por Corisco.
Herculano cometera o “grave erro” de ter cumprido a lei e
seu dever profissional ao prender, por alguns dias, o cangaceiro em início de
carreira, pego em atividades ilegais.
Por conta disso, o agente foi amarrado de cabeça para baixo
numa árvore enquanto o sanguinário bandoleiro lhe tirou toda a pele com uma
faca como se despelasse um animal.
Detalhe: a vítima, mesmo padecendo de dores horríveis,
permaneceu viva durante todo o ato dantesco. Em seguida, teve seu corpo
desmembrado vagarosamente até a morte.
Depois, Corisco, ainda não satisfeito, espetou seus restos
mortais nas pontas de uma cerca, deixando-os à sanha das aves de rapina.
Após essa barbaridade, Corisco e Dadá continuaram cometendo
crimes pelo Nordeste afora. No início de agosto de 1938, um massacre bárbaro
assombrou o Brasil.
Com o pretexto de vingar a morte de seu mestre Lampião, que
fora abatido três dias antes, juntamente com Maria Bonita e mais nove cabras
pela polícia de Alagoas em Sergipe - Corisco invade a fazenda Patos, em
Piranhas (AL), e trucida a família Ventura.
Marido, esposa e quatro filhos menores são decapitados
vivos.
As cabeças são mandadas para o tenente João Bezerra,
comandante da volante alagoana que deu cabo de Lampião.
Dias mais tarde, verificou-se que a família assassinada
jamais delatou o esconderijo de Lampião, como imaginavam Corisco e Dadá.
Mesmo com a morte do Rei do Cangaço e parte de seu bando, a
dupla de bandidos continuou na senda do crime.
Em 25 de maio de 1940, o casal, armado, mas despido dos
trajes cangaceiros, viaja rumo à Minas Gerais juntamente com os companheiros
Rio Branco e Florência.
Os quatro cangaceiros levavam junto com eles a menina
Zefinha, de 10 anos, raptada no interior baiano e que servia de disfarce para
enganar a polícia, já que cangaceiros em fuga não costumavam a andar com
crianças.
Mas a artimanha não conseguiu ludibriar o astuto tenente
José Rufino, que interceptou o pequeno bando em Barra do Mendes.
Enquanto Rio Branco e Florência conseguiram se evadir,
Corisco, que reagiu a tiros, foi baleado, falecendo no dia seguinte.
Dadá ficou ferida no pé. Ferimento, que conforme já foi
dito, lhe causou, posteriormente, a amputação da perna.
Já a menina Zefinha foi devolvida sã e salva aos seus pais.
Dito isso, apelamos para que o prefeito de Barra do Mendes,
Antônio Barreto de Oliveira, e o governador do Estado da Bahia, Rui Costa,
encontrem uma fórmula para revogar o inapropriado decreto, uma vez que a
nefasta homenagem, se concretizada, vai se constituir num verdadeiro acinte ao
povo trabalhador e honesto de Barra do Mendes, além de uma escandalosa apologia
ao crime!
Sangue, dor, luto e crueldade são os únicos legados que
Corisco e Dadá (que não eram baianos) deixaram para o bravo povo de Barra do
Mendes, que, com certeza, têm inúmeras personalidades que merecem ser
homenageadas pelo muito que fizeram para o desenvolvimento da região.
João Marcos Carvalho - Jornalista e Historiador
Rubens Antonio da Silva Filho – Geólogo e Historiador, Sócio
do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia
Leandro Cardoso Fernandes - médico e escritor
Israel Maria dos Santos Segundo - advogado e escritor
Luciano Antônio dos Santos - coronel PM-AL
Luci Guimarães - desenhista gráfica
Sulamita S. Buriti - jornalista - Campina Grande (PB)
Naeliton Santos, ator e diretor de teatro - Maceió
Luis Fernando Ribeiro de Oliveira, administrador de empresa - Santos (SP)
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