26 fevereiro 2012

Cabeças Cortadas


Emergiu do século XVIII, reverberando pelo século XIX, a Frenologia. Baseava-se em uma proposta de se buscar identificar elementos do caráter de uma pessoa através da análise de relevos da sua cabeça. O maior expoente do início dessa proposta foi Franz Joseph Gall.

Modelo frenológico

Porém, o século XIX ainda a elaboraria mais e legou ao século XX, associando-a à Fisiognomia, isto é, a busca de elementos da personalidade das pessoas através dos seus traços fisionômicos.
Chegou-se, enfim a uma proposta área da Ciência, pendendo entre Medicina Forense, Medicina Legal e Antropologia Física. Era a "Antropologia Patológica", que se propunha a localizar e provar que as características de uma pessoa estavam impressas e expressas no formato do crânio, suas feições, associadas e entendidas como justificadas por outros elementos como questões raciais.
Desta maneira, o dito "caráter" de uma pessoa já viria marcado desde o seu nascimento. Haveria uma "natureza" de cada indivíduo materializada fisicamente.
Aquele que mais influenciou nesta via foi o médico Cesare Lombroso, que, em 1876 publicou "O Homem Delinqüente".
Modelos de Lombroso

No Brasil, o expoente dessa perspectiva foi Raimundo Nina Rodrigues, nascido em Vargem Grande, Piauí, em 1862, com curso de Medicina em Salvador e Rio de Janeiro.
Estabelecido em Salvador, deu aulas na Faculdade de Medicina. Seu trabalho girou em torno de uma "Antropologia Patológica".
Seus trabalho detém um cunho marcantemente racista, com destaque para ataques às miscigenações. Em sua visão, os miscigenados seriam aqueles que mais mostrariam características tendendo à criminalidade.

Nina Rodrigues


Daí ter se empenhado em conseguir e manter as cabeças de Lucas de Feira e Antônio Conselheiro.
Nina Rodrigues faleceu em Paris, em 1906, sendo inumado, finalmente, em Salvador, Bahia.
Em contraposição a essa linha, elevaram-se vozes, cujo resplandecer mais claro apareceu nas linhas de Euclydes da Cunha. Este, vindo acompanhar o massacre da Rebelião Conselheirista de Canudos, objetivava flagrar confirmações da posição de Nina Rodrigues. Entretanto, o que testemunhou colocou-o na senda contrária.
Daí, em vez de estropiados fracos, viu-se obrigado a reconhecer:
"- O Sertanejo é, antes de tudo, um forte!"
Entretanto, adentrado o século XX, a linha de Nina Rodrigues seguiu firme, através de vários discípulos. Evidência clara da linha foi ter sido trazida a Salvador a cabeça de Antônio Conselheiro para a busca de "sinais de demência".
Correio de Noticias, em 23 de outubro de 1897.

Estabeleceu uma forte escola assentada nas suas propostas.
Numa matéria de 5 de outubro de 1927, que apareceu no “Diario da Bahia”, está bem clara a tendência momentânea de se utilizar de elementos expressos especialmente na morfologia craniana para explicar ações humanas.
A matéria aparecia com a chamada "UM CRIME QUE IMPRESSIONOU". Nela, reportava-se o assassinato chamado "Tragedia da Avenida Oceânica", no qual foi assassinada uma mulher de nome Sylvana por seu companheiro Antonio Pereira.
Aparece na matéria:

"O prof. Estacio de Lima reconstitue a scena brutal e estuda o typo de Antonio Pereira


Estácio de Lima

– Então, doutor, acha possivel a reconstituição do crime e seus factores?
Dentro de certos limites, julgo de facto que sim. Não creio justas razões as tivesse o triste marido homicida. Entretanto escravo que era do vicio, o pobre homem, entregue a inexorabilidade do alcoolismo, tinha que ser, como foi, protagonista de uma terrivel catastrophe moral... Debil organização nervosa, mestiço, preso, assim, a uma subraça transitoria e tão cheia de sombrias taras, luetico em pleno terciarismo, mais propicio terreno a explorações fataes, o malsinado veneno social não acharia. E nos ultimos cinco meses, como dizem, João bebia mais ainda, muito mais... Dahi certas modificações do caracter. Antes, grosseiro, magoando, até physicamente a esposa vinha, por ultimo, apresentando alternadas expansões de affecto e estupida brutalidade. Naturalmente, crescendo–lhe a excitabilidade nervosa, a par e passo, augmente a periculosidade de suas reações anti–sociaes. O factor é esse, escreva em sua gazêta: alcoolismo cerebral, evolvendo em organização de mestiço – nordestino, debilitado, por pezada herança morbida, alem das grandes doenças que lhe estiolavam as energias; tuberculose e syphile."

Cabeça de Antonio Pereira cortada para análise por Estácio de Lima
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Era esta a verve dominante na Academia quando o Cangaço crescia. Assim, naturalmente, aqueles cangaceiros abatidos mergulharam no lugar comum o "estudo das cabeças".
Com Estácio de Lima à frente, a "Antropologia Patológica", uma espécie de "evolução" da associação entre Fisiognomia e Frenologia se impunha.
O primeiro deles foi a do cangaceiro Gavião, que chegou a Salvador no início de 1930. Quando aprisionado, o cangaceiro Volta-Secca, tiveram os discípulos da proposta de Nina Rodrigues a oportunidade de realizar o estudo do seu crânio em vida. Procuraram sempre indícios da marginalidade e decadência.
Estudaram-se os crânios dos cangaceiros abatidos na Lagoa do Lino, no caso, Azulão, Canjica, Maria e Zabelê. Finalmente, estudaram-se os crânios dos cangaceiros abatidos em Angicos, em 1938.
Um estudioso que começou a se destacar, apontando o caminho da derrocada da Frenologia, foi Estácio de Lima. Nascido em Marechal Deodoro, em Alagoas, em 1897, cursando Medicina, acabou se tornando docente das Faculdades de Medicina e Direito da Universidade Federal da Bahia, antigo catedrático de Medicina Legal da Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública da Universidade Católica de Salvador e da Faculdade Federal de Odontologia. Nesse caminho tratou de integrar a luta para desfazer a antiga linha de Nina Rodrigues.
Citado em algumas publicações como sendo Estácio de Lima, conforme indicado pelo estudioso do Cangaço Ivanildo Silveira, este que segura as cabeças é Charles Pitex.

Em sua visão, o meio, a Vida e a História são os elementos que influenciam diretamente na tecitura dos caráteres humanos.
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Como fruto do momento em que ainda se acreditava na Frenologia, os crânios de Lampeão e Maria Bonita foram estudados.
Abaixo o estudo dos seus crânios, conforme apareceu reproduzido na publicação:
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BEZERRA, João. “Como dei cabo de Lampeão.” Recife (Pernambuco): Fundação Joaquim Nabuco - Editora Massangana, 1983.
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O "estudo antropométrico" foi assinado pelo dr. Lages Filho, então diretor do Serviço Médico Legal de Alagoas.
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O resultado do estudo antropométrico da cabeça de Lampeão
Infelizmente o estado em que a cabeça chegou à morgue não permite um estudo acurado e minucioso à luz da antropometria criminal e da anatomia, pois atingida por um projétil de arma de fogo que atravessou o crânio saindo na região occiptal, fraturando o mandibular, o frontal, o parietal direito, o temporal direito e os ossos da base que ficaram reduzidos a múltiplos fragmentos. Todavia, podemos traçar-lhe o perfil antropológico: Pele pardo-amarelada, podendo-se classificá-lo como pertencente ao grupo dos “brasilianos xantodermos”, da classificação de Roquette Pinto: testa fugidia, cabelos negros, longos e arrumados em trança pendente; barba e bigode por fazer, de pelos lisos negros e falhos. Dolicocéflo, contrastando com os outros indivíduos do seu grupo étnico, em geral braquicéfalos. O perímetro cefálico é igual a 57 centímetros. diâmetro transversal máximo atinge 150 milímetros, índice encefálico 75. Sua face é de tamanho relativamente reduzido, impressionando à primeira observação as dimensões do mandibular pequeno e com os ramos horizontais a formar um ângulo reto no encontro dos ramos ascendentes, correspondentes. Assim, é o comprimento total do rosto de 170 milímetros, o comprimento total da face de 130 milímetros, o comprimento simples da face de 85 milímetros, o diâmetro gigomático ou transverso máximo da face, de 160 milímetros, índice facial da boca 53,12. Nariz reto, de ápice grosso e rombo, guardando ao dorso a impressão dos óculos, com altura máxima de 50 milímetros e largura máxima de 37 milímetros. O índice nasal transverso 64 milímetros, uma mesorrínia franca, lábios finos. Largura da boca 57 milímetros. Abóbada palatina ogival, dentes pequenos podendo-se enquadrá-los no grupo dos microdontias; orelhas assimétricas, havendo desigualdade manifesta no desenvolvimento das partes similares (orelha Blainville). O comprimento da orelha direita alcança sessenta e cinco milímetros. A largura da orelha direita é de 40 milímetros. comprimento da orelha esquerda 55 milímetros.
A largura da orelha esquerda é de 40 milímetros. Índice auricular de Topinar, tendo-se em conta as dimensões da orelha direita de 65 milímetros. Na face há visível, na região masseterina direita, uma pigmentação escura arredondada, medindo três milímetros de diâmetro, em nervus congênito. O olho direito apresenta um leucoma, atingindo toda a córnea. em resumo; embora presentes alguns estigmas físicos na cabeça de Lampeão, não surpreendi um paralelismo rigoroso entre os caracteres somáticos da degenerescência, revelados pela mesma e a figura moral do bandido. assim, apenas verifiquei como índices físicos de degenerescência as anomalias das orelhas, denunciadas por uma assimetria chocante, a abóbada palatina ogival e a microdontia. Faltam as deformações cranianas, o prognatismo das maxilas e outros sinais aos quais Lombroso tanta importância emprestava para a caracterização do criminoso nato. Todavia, nem por isso os dados anatômicos e antropométricos assinalados perdem a sua valia pelas sugestões que oferecem na apreciação da natureza delinqüencial de Lampeão.

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Resultado do exame da cabeça de Maria Bonita
A cabeça de Maria Bonita deu entrada às 10 horas da noite de 31 de julho de 1938 no Serviço Médico-Legal do estado de Alagoas em mau estado de conservação, razão por que não foi retirado o encéfalo, já reduzido a uma pasta esbranquiçada e amorfa que se escoava pelo orifício occiptal. as partes moles infiltradas não permitiram fossem melhor apreciados os traços fisionômicos da companheira de Lampeão, os quais, aliás, não pareciam desmentir o apelido que lhe deram. Aparentava ser uma mulher de trinta a trinta e cinco anos de idade. À primeira impressão, o que mais prende a atenção é vêem vê-la é a sua testa alta e de todo vertical. cabelos negros, longos, finos e lisos, arrumados em tranças pendentes. Tez morena clara. Pode ser incluída no grupo dos brasileiros xantodermos da classificação de Roquette Pinto, o perímetro encefálico é de 57 milímetros. O diâmetro ântero-posterior máximo é de 195 centímetros. O diâmetro transversal máximo mede 150 milímetros. O índice cefálico, 33. Portanto, braquicéfala. O comprimento total do rosto alcança 190 milímetros. O comprimento total da face é de 120 milímetros. O comprimento simples da face, 153 milímetros. Índice facial da boca, 47,0. Lábios grossos, sendo a largura da cavidade bucal de 45 centímetros. Dentes pequenos, bem plantados e em excelente estado de conservação. Olhos castanhos escuros.
São estes os principais elementos colhidos, traçando-se o perfil antropológico de Maria Bonita. Não denunciam eles a existência de quaisquer estigmas de degenerescência ou sinais atávicos. Na busca de sua constituição delinqüencial muito mais importância teria o estudo psicológico que permitiria pôr em relevo os caracteres fundamentais de sua personalidade.
Em verdade, uma conclusão definitiva e segura só poderia ser tirada da apreciação físico-psíquica e biográfica da vítima, único meio capaz de revelar suas tendências ciminosas, mesmo se despertadas pela paixão e pelo amor.

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24 fevereiro 2012

Coronel Aristides Simões de Freitas


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Nascido em 1865, o coronel Aristides Simões de Freitas tornou-se a figura exponencial de Itiúba, em termos de vida política, nas décadas de 1910 e 1920. Configurava-se como o grande representante representante local do governo estadual.
O governador da Bahia Goes Calmon visitando Itiúba, ciceroneado pelo coronel Aristides Simões
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Com o início da campanha contra o Cangaço, tornou-se, na sua região, uma das principais referências de confronto aos cangaceiros.
O segundo de pé, da esquerda para a direita, o Secretário de Segurança da Bahia, Madureira de Pinho, em visita a Itiúba, ciceroneado pelo coronel Aristides, que aparece na fileira de trás, no centro.
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Nos anos de 1929, 1931 e 1932, comandou a preparação de Itiúba, Bahia, para o confronto com o bando de Lampeão.
Isto após receber o bilhete enviado pelo cangaceiro através do vaqueiro "Zézinho, do Licuri Torto", exigindo que enviasse uma soma vultosa. Ao mesmo pediu que fosse responder a Lampeão que fosse buscar o dinheiro. Coisa que Zézinho, sangrando de saúde, recusou-se a fazer, caindo no mundo.
Aspecto de Itiúba, quando do assédio pelos cangaceiros.

Ato contínuo, o coronel Aristides armou cerca de sessenta jagunços e os posicionou nos três sítio entendidos como entradas da cidade. Traçou a estratégia de uma primeira pseudo-resistência ao bando, com fuga dos defensores do sítio. Nesta, o próximo passo seria uma fechada da entrada por onde teriam já passado, numa estratégia de cerco do bando dentro da cidade, que estava preparada para tal.
Ficou na memória da cidade a coordenação firme que a sua figura, com seu 1,9 metro de altura, exerceu.
Coronel Aristides

Alguns indicam que a sua própria residência, além de outras da cidade, foram preparadas para a luta contra os cangaceiros. Daí, na parte inferior vêem-se as denominadas “torneiras”, que seriam aberturas para a passagem do cano das armas, caso tivesse que se entrincheirar neste último ponto.
Robério Pinto de Azeredo, que viveu a época do cangaço em Itiúba e a estudou após esta, contesta essa visão deste uso, ao menos nesta cidade. Para ele os orifícios inferiores, no caso, seriam meros artifícios arquitetônicos de circulação de ar.
No alto da sua residência aparecem as suas iniciais “ASF”. Ao lado da mesma, na cor amarelo, aparece o antigo Itiúba Plaza Hotel, propriedade atualmente comprada pela Prefeitura Municipal. Na verdade, trata-se de outra residência referencial, pois pertenceu, nos tempos do cangaço, a Berlarmino Pinto de Azerêdo, que, com a influência e apoio de Aristides, tornou-se o primeiro prefeito de Itiúba, quando da sua emancipação, em 1935.
Residências, à direita do coronel Aristides, à esquerda, de Belarmino Pinto

Nos anos 1930, coordenou o processo de transferência do seu poder para a liderança de Belarmino Pinto de Azerêdo.
O coronel Aristides veio a falecer, em 1948, em Salvador, sendo enterrado no cemitério da Quinta dos Lázaros.
Três anos após, sua nora cuidou do translado dos seus restos para Itiúba, sendo inumado no mausoléu familiar.
Sepultura familiar - O nicho do coronel Aristides é o mais alto, ,o topo. - Itiúba - Bahia
Carneira do coronel Aritides
Vavá Simões - neto do coronel Aristides, em 2011.

Os estudos desenvolvidos pelo autor deste blog, com o acordo do estudioso Robério Pinto, indicam que as passagens de 1929 e 1931, efetivamente, foram do bando comandado por Lampeão. Já a passagem de 1932 foi por um sub-grupo comandado por Corisco.
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21 fevereiro 2012

Yvone, filha de Emídio e de Verônica de Jesus

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Material levantado de fontes documentais pelo pesquisador Orlins Santana de Oliveira,Membro do Instituto Historico da Bahia, gentilmente disponibilizada por este estudioso através deste blog.
Em março de 1934, uma criança foi entregue ao chefe da estação de Jurema, no Distrito de Juazeiro, na Bahia. Este se incumbiu de encaminhá-la a Salvador. Aí chegaram duas. Uma, incorporada no caminho, tinha um bilhete que esclarecia. Chamava-se ¨Maria¨ e era filha do cangaceiro Luiz Pedro.
Estação de Jurema - foto fornecida por Orlins Santana de Oliveira.

A outra, precisamente a que fora entregue ao chefe da estação, era identificada como Yvone.
Um bilhete a referenciava como filha de um cangaceiro cujo nome real era Emidio ou Ymidio Ribeira da Silva, do bando de Arvoredo. A mãe da criança estava indicada como se chamando Veronica de Jesus. O cangaceiro foi citado, dado o sobrenome, como sendo parente de Sérgia Ribeiro da Silva, a Dadá.
Enviadas as crianças para Salvador, foram colocadas, em 28 de maio de 1934, na roda do Asylo dos Expostos, em Salvador.
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Santa Casa de Misericórdia, em Salvador, atualmente:

Situação atual da antiga localização da Roda dos Expostos, da Santa Casa de Misericórdia, em Salvador:

Situação antiga com a Roda dos Expostos, na Santa Casa de Misericórdia, em Salvador:

Atualmente, a roda original encontra-se no Convento do Desterro.
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Registro de batismo e de falecimento:

Transcrição das anotações do batismo e do falecimento:
Yvone de Matos
Baptisou-se no dia 24 de abril de 1934
Está no Asylo
Falleceu de bronco-pneumonia, no dia 1 de abril de 1935

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Maria de Matos, filha de Luiz Pedro e Nenê


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Material levantado de fontes documentais pelo pesquisador Orlins Santana de Oliveira,Membro do Instituto Historico da Bahia, gentilmente disponibilizada por este estudioso através deste blog.
Em março de 1934, uma criança foi entregue ao chefe da estação de Jurema, no Distrito de Juazeiro, na Bahia. Este se incumbiu de encaminhá-la para Salvador. Na capital, chegaram duas, ambas relacionadas como filhas de cangaceiros. Na pequena menina juntada no caminho, tinha um bilhete esclarecia. Chamava-se ¨Maria¨ e era filha do cangaceiro Luiz Pedro..
Enviada para Salvador, foi colocada em 28 de maio de 1934 na roda do Asylo dos Expostos, em Salvador.
Seu registro de entrada:

Transcrição do registro de entrada:
"Livro n.28 do Asylo dos Expostos
De 10 de Maio de 1934 á 21 de Novembro de 1935
1934
Maio – 28
Pelas 14 horas 1/2 foi posta na roda do Asylo de N.S. da Misericordia uma menina parda, com 3 mêses de edade, em bom estado de saúde.
Trouxe os seguintes objectos:
1 – Vestido com renda de bilro
2 – Fralda de morim velha;
3 – Touca branca com renda de bilro
e a seguinte declaração:
Maria – com 3 mêses de edade, filha do bandido.
Pae – Luiz Pedro
Mãe – desconhecida, vinda do Nordeste"

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Santa Casa de Misericórdia, em Salvador, atualmente:

Situação atual da antiga localização da Roda dos Expostos, da Santa Casa de Misericórdia, em Salvador:

Situação antiga com a Roda dos Expostos, na Santa Casa de Misericórdia, em Salvador:

Atualmente, a roda original encontra-se no Convento do Desterro.
A menina foi batizada Maria de Matos, no dia 29,
Morreu de pneumonia, a 8 de julho de 1934.
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Registro de batismo e de falecimento:
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Transcrição das anotações do batismo e do falecimento:
Maria de Mattos
Baptisou no dia 29 de Maio de 1934
Falleceu de pneumonia, em 8 de Julho de 1934.

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20 fevereiro 2012

28 de julho de 1932, no “Diário de Notícias”


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ABANDONAM OS FILHOS!

Ha varias mulheres que acompanham o bando de Corisco. esse facinora é dado a aventuras amorosas, bem como os seus cabos de ordem Virginio e Mariano. Estes, há cerca de um mês, no logar denominado Tingui, abandonaram duas filhas. Uma conta quatro mêses e outra nove. São duas caboclinhas interessantes de olhos vivos. A pessoa que as recebeu das mãos dos bandidos, teve ordem de entragal-as á policia pra criar.
Dias depois, o sargento Mineiro recebia o presente...
O Chefe de Policia teve occasião de vê-las, na sua passagem pelo Sitio do Quinto. estão gosando perfeita saúde e bem dispostas.
Não é sem tempo a sua remoção para o Asylo dos Expostos, onde são dispensados ás crianças cuidados especiaes.
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19 fevereiro 2012

11 de outubro de 1926, no “A Tarde”

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POLICIA DE NOVOS RUMOS

Já dissemos uma vez, de referencia á personalidade invulgar do sr. chefe de policia, que s.ex. era um homem para o cargo.
As credenciaes que lhe sobram e que de ha muito o recommendavam aos altos postos da administração publica, fossem elles electivos ou de nomeação para qualquer delles, contando o illustre jurista com o applauso unanime dos seus concidadãos. – essas credenciaes não se apagaram na gerencia da pasta que lhe coube no governo do sr. Góes Calmon, ao em vez disso, confirmando plenamente aquelle apoio previamente assegurado, o dr. Madureira de Pinho assignalou a sua gestão por actos de grande descortino pondo em brilhante destaque uma Secretaria que andava com um largo deficit no conceito publico, rebaixada como foi sempre de nivel nas administrações que antecederam a actual e que a transformaram em apparelho politico ou melhor, forja de odios e perseguições para quem não commungava os mesmos credos.
Num certo periodo de tempo, a policia bahiana, moral e materialmente, rejuvenesceu, prestigiou–se, de sorte a se appresentar hoje como uma força de elite, superiormente organisada e dirigida. Se assim foi com a policia militar, que tão brilhantes paginas tem escripto na historia do regime, collaborando com o seu sangue e a sua bravura tradicional, pela manutenção da ordem, nesses tristes tempos de rebeldia á lei, muito mais assignalavel é o inflexo da nova mentalidade que orienta a Secretaria de Segurança no que tange á policia civil, onde o dr. Madureira de Pinho realizou praticamente, em meio das deficiencias proprias do ambiente, apenas desperto de prolongado lethargo, uma obra de radical transformação, numa concepção nova e elevada da moderna policia.
Podiamos ennumerar nesta breve e victoriosa carreira varios serviços meritorios, qualquer um dos quaes, por si só, recommendal–o–ia á admiração dos seus patricios. São desse porte os codigos com que, dotou a policia, de Fiscalização das Casas de Diversões e Fiscalisação ás Casas de Penhores. Este ultimo teve uma larguissima repercussão que os menos affeitos a cousas de policia de logo não perceberão, mas, é evidente – e as estatisticas o registram o que depois delle os crimes de furtos e assaltos decresceram de modo muito notavel, o que não se pode dissociar da regularização daquellas casas que, anteriormente, o estimulavam, comprando todos os objectos que lhes vinham ao balcão, sem indagar procedencia.
A adaptação das leis federaes que regulam o Livramento Condicional, com tão auspicioso exito da policia de carreira, a ampliação e substituição de material velho do Instituto Nina Rodrigues e, sobretido, a reforma da Penitenciaria do Estado, joia refulgente dessa collecção magnifica, reforma moral e material, uma e outro altissimo porte, reaes, palpaveis, concretisados num admiravel espirito de disciplina e trabalho, que hoje se verifica nas differentes secções modernisadas do velho presidio.
Junto áquellas lobregas muralhas, onde tanto tempo viverem a sordicia e a ociosidade, ergue–se hoje uma bela construcção de cimento armado, pavilhão para sentenciados, com muita luz, muita hygiene e relativo conforto. Outros virão, corajosamente, em substituição aos muros carcomidos que nos envergonham como povo civilisado. E a quem devemos? A esse espirito novo que varre a policia, a essa administração nova, cujo angulo de visão abraça um largo campo de necessidades sociaes que vae satisfazendo. É essa mesma mentalidade creadora e saneadora a quem fica a cidade a dever a campanha contra o jogo, ora em pleno apogeu, numa vassorada decidida.
Nunca a A tarde fugiu de dar o seu apreço ou a sua solidariedade a quem, administrando a causa publica se impõe por actos justos e relevantes. E o faz com a mesma serena convicção com que tem castigado os que deshonram o mandato. O titular da Policia que levou para o cargo um nome immaculado por sua probidade pessoal inflexivel, com o homem politico um modelo de fidelidade aos canones da lealdad partidaria, qualidades que junto com outras o fixaram como uma das figuras centraes do grupo que constituiu o estado–maior de Severino Vieira, – ao dr. Madureira de Pinho não regateamos o nosso applauso na lucta que mantem contra o jogo, antes o encorajamos para que a leve ao fim sem desfallecimentos.

Madureira de Pinho

Feliz inspiração teve o sr. Góes Calmon chamando para perto de si o companheiro inestimavel que é hoje o fulgurante collaborador de todas as horas. Se outras demonstrações do seu conhecimento dos homens não nos houvesse dado, no curso da sua administração tão fecunda, bastaria essa de ter confiado a tranquilidade e a segurança da sociedade bahiana a um homem publico da integridade moral, isenção, cultura e compostura do dr. Madureira de Pinho.
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Sargento Aderbal Medeiros Borges

Sargento Aderbal Medeiros Borges - Fonte da imagem: livro "Derrocada do Cangaço", de Felippe de Castro.
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Personagem referida no Cangaço, o sargento atuante em volantes Aderbal Medeiros Borges, participou diretamente dos combates que ocorreram a 24 de março de 1930, na Fazenda Peri-Peri, próxima a Juazeiro, e que se estendeu até a Fazenda Favela.
Neste embate, foi um dos três militares que saíram gravemente feridos.
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No combate, o sargento Aderbal Borges teve entrada de projétil um pouco acima da mandíbula, no lado direito da face, com saída pelo lábio inferior, no seu lado esquerdo.

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Do “Relatório do 2° Tenente ODONEL FRANCISCO DA SILVA ao coronel Terencio Dourado, commandante das forças em operações, sobre o encontro de Favella e Pery–Pery”, datado de 30 de Março de 1930:
“Depois de uns trinta minutos de viajem o guia avizou-me de que nós nos aproximavamos de Favella, e tira uma camisa que usava afim de se confundir com a escuridão da noite. Estavamos effectivamente sahindo da referida Fazenda.
O sentinella dos bandidos percebendo a approximação da força faz fogo a curta distancia.
Tinhamos cahido, portanto, na emboscada que elles haviam preparado afim de aguardar o regresso do portador que tinha ido a Joazeiro ou a chegada de qualquer força, exactamente o que aconteceu.
O sargento Adherbal com alguns soldados heroicamente respondem o fogo no flanco esquerdo, emquanto eu procurei desalojar alguns bandidos que estavam no flanco direito, o que não me foi muito difficil visto, n’este interim, ter irrompido forte tiroteio quasi a retaguarda dos bandidos que todavia foi de um effeito extraordinario, não obstante ser um pouco affastado do local.
Era o tenente João Candido que neste momento tão critico, mesmo ignorando a minha presença, como eu a delle, me soccorria, pois os bandidos que brigavam no flanco direito passaram logo para oe squerdo e quasi por cima d emim. No momento em que elles procuravam reunir-se aos demais asseclas, ouvi alguem me chamar, não tendo, entretanto, respondido devido achar-me n’uma posição difficil. Era o bravo e abnegado soldado Israel Martins Benicio quem me chamava por ter de se retirar da lucta com alguns companheiros conduzindo o sargento Adherbal, que se achava gravemente ferido, e não queriam me deixar.”
(...)
“Travamos ali ligeira escaramuça e elles espavoridos fugiram. Mas orientado por saber a direcção dos bandidos, viajei, alcançando o acampamento ás duas horas da manhã, onde já encontrei feridos gravemente o sargento Adherbal de Medeiros Borges e o contractado José Domingos dos Santos, este com dois tiros e tendo o seu fuzil inutilizado por balas.”
(...)
“Terminando devo dizer-vos que o sargento Adherbal portou-se como todo e qualquer militar deve portar-se, isto é, com bravura, sangue frio e dedicação ao lado dos seus companheiros e da ordem. Ainda são dignos de vossa atenção o soldado Israel Benicio, e os contractados Jacintho Porphirio da Cruz, Antonio Francisco de Moraes, José Domingos dos Santos e Francisco Lopes, já pela bravura demonstrada na peleja, já pela abnegação pura que tiveram como o sargento Adherbal.”

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Relatório na íntegra:
http://cangaconabahia.blogspot.com/2012/02/relatorio-do-tenente-odonel-sobre.html
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DO Depoimento de Ângelo Roque, o cangaceiro Labareda, que participou do confronto, a Estácio de Lima (1965):
"Nóis ia viajano, um dia, na rodage i topemo us macaco du sargento ADERBÁ... Nóis nun teve certeza si êles vinha da FAVELA, ou du JUAZÊRO. Sustentemo um fôgo currido, i mergúiemo na caatinga.” (...) “Nóis fumo denunciado pru êsse cabrinha faladô i tivemo duas brigada, pra bem dizê uma pru riba da outa. ZÉ BAIANO cum a volante qui vinha da FAVELA i LAMPIÃO cum nóis, di nôvo brigano mais um sargento ADERBÁ i us macaco dêle. A orde nun era pra nóis combatê pra valê, inté u fim. Nóis di nôvo arricuemo, si sumino, pra vortá na casião dérêita. I sempre gritano, subiano, discompono. Nu’a dessas casião, u fôgo cerrô feio, i u sargento ADERBÁ, cum dispusição di home, vançô pra nóis, quereno cabá cá gente, i entonces si discubriu. Levô um tiro danado qui firiu na cabêça, bem nus quêxo da cara; nóis subemo qui foi coisa fêia, mais porém u sargento guentô cumo home i u resto dus macaco nun correro. ADERBÁ inda véve, sendo Coroné da Puliça.”
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Aderbal foi promovido a Coronel em 5 de outubro de 1960, adentrando a reserva do Exército:

E foi a 27 de maio de 1985 que Aderbal faleceu, conforme listagem da Polícia Militar da Bahia:

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2 de outubro de 1926, no “A Tarde”

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2 de outubro de 1926, no “A Tarde”:
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“Venho fugido de Lampeão”
Á aproximação do bando sinistro, o sub–delegado de Boa Vista commandou a retirada
É elle proprio quem narra á “A Tarde” os acontecimentos

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Chegado ha dois dias de Boa–Vista, no Estado de Pernambuco, donde foi obrigado a sair, devido á invasão do famoso bandido Lampeão, fomos hoje ouvir o sr. Florencio Barros, negociante e chefe politico naquella localidade.
Ás perguntas da “A Tarde” sobre Lampeão, o entrevistado declarou–nos o seguinte:
– Lampeão, esse homem extraordinario, que vive a saquear–nos, é quem me obriga estar aqui, imagine que recebi uma carta do bandido, intimando–me a fornecer–lhe a quantia de cinco contos; como não podia satisfazer semelhante pedido, vi–me na contingencia de abandonar o territorio pernambucano para asylar–me em Curaçá.
Deixei–lhe, porém, narrar o facto. Na vespera da nossa retirada, entrou em Boa–Vista o irmão de Lampeão, que se assigna tenente Antonio Ferreira Netto, e que vinha munido duma pistolla parabellum e dum grande punhal.
Era evidente que o grosso dos bandoleiros, andasse na redondeza; deante disso, e já tendo o exemplo do negociante Francisco Gorgonho, que ainda se acha preso, por não ter a importancia de cinco contos exigida pelo facinora como resgate, resolvi abandonar a cidade, com armas e bagagens.
Consultei a respeito, os meus amigos; e como todos fossem accordes em que se não devia offerecer resistencia, convidei a população, na qualidade de sub–delegado, a acompanhar–me.
De facto, no dia seguinte, foi um verdadeiro exodo. A cidade ficou apenas com tres negociantes, que aguardavam a chegada do famigerado salteador. Ahi aparecendo Lampeão, commetteu toda a sorte de tropelias.
Arrombou as casas, e distribuiu entre o seu bando tudo quanto encontrou. O restou que não servia, foi queimado, com o unico fito de prejudicar a mim e aos meus companheiros.
O bando compõe–se de 140 homens, dispondo cada um de 500 balas, o que, em grande parte, provem ainda do exercito, quando Lampeão foi capitão legalistas(!) em Joazeiro, no Ceará.
– E que pensa sobre a possibilidade da extinção do bando?
– Ah! só vejo um homem capaz disso: é o major Tehophanes, que já o combatei ha uns quatro annos ataz, quando o bando se compunha, apenas de 12 homens. Hoje, porém, apesar de muito augmentado, ainda é o major o unico capaz de derrotar o facinora;
– E as forças que o combatem? – indagamos.
– Ora, meu amigo, andam á cata do bandido uns pelotões conhecidos pelo nome de “volantes” e que quando o bandido está no Norte tomam a direcção do Sul...
Deixe–me contar esta. A duas leguas de Floresta, entricheiraram–se 30 praças e fizeram fogo contra o bando de Lampeão até a última bala, constando até, como os jornaes aqui já noticiaram, que o “capitão” havia sido ferido.
Pois bem: segundo narrou um soldado em Bela Vista, ao chegarem ao quartel foram esses 30 “heroes” recolhidos á prisão, ninguem sabe porque, o que leva a crer que... (E o nosso entrevistado não quiz concluir a phrase).
Ha, ainda, mais outros casos: em Pernambuco, o telegrapho não transmitte noticias sobre Lampeão.
Será preciso mais? Pense que ha gente boa mettida nessa historia de Lampeão...
– e sobre as atrocidades do bandido, que nos diz?
– Ahi, na minha zona, não respeitaram a honra das familias; quem protestava era ainda surrado.
O bandido gosta tambem de humilhações e a um negociante preso, elle obrigou a lavar o seu cachorro de estimação. A outro forçou a lavar–lhe os pés. E assim por deante.
O que lhe posso dizer é que Lampeão é cem vezes peor do que o Prestes, pois, deste sei até dos rasgos de generosidade e quanto áquele é preciso que a gente ande confessado e sacramentado...
E terminando, accrescentou o sr. Barros:
“Agora vou pedir providencias ao doutor Sergio, para ver si posso voltar para casa”.
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15 fevereiro 2012

Recibo perseguição ao bando - 12 de Julho de 1929


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Transcrição:
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Recebi do Snr. Cap. Hercilio Rocha, cmt. das forças em perseguição ao banditismo, a quantida de tresentos e cinco mil e cem reis, constante da relação abaixo de despezas feitas por mim de Janeiro até a presente data, com a perseguição Lampião.
Relação:
Telegrammas passados constantes dos recibos juntos – 109#100
Pago a um portador do Te. J.Candido de Fonseca a Chorrochó – 3pl – 10#000
Idem a quatro portadores de Abaré á Chorrochó, conduzindo telegrammas – do cap. Hercilio – 21#000
Idem, idem a tres outros – 17#000
Pago por uma bolsa de couro, para munição de Metralhadora Hotchkiss – 30#000
Pago por um telegramma passado pelo Sgt. Diamantino – 5#000
Idem, a um portador de Abaré a Chorrochó – 23–2–a á noite – 6#000
Idem a um portador de Salgado Melão a Geremoabo 25#000
Idem a quatro portadores de Pinhão (Sergipe) a S.Paulo, Coité, Barreiras e Carira – 22–4o – 30#000
Idem a um portador de Abaré a Chorrochó – 8–5o – 5#000
Idem, idem – 11–5–o – 5#000
Idem a um portador com sete animais de Carira (Sergipe) a Chorrochó – 4o–1929 – 21#000
Idem a um portador de Abaré a Chorrochó – 18–5o – 5#000
Idem, idem 24–5o – 5#000
Idem, idem 28–5o – 5#000
Idem, idem, 1o–6o, á noite – 6#000
Somma 205#100

Uauá 12 de julho de 1929
2o Ten. Manoel Campos de Meneses

Confere. Para perseguição de Lampeão e seu bando, durante os mezes de janeiro a junho. Em 1–o de Julho 929
Cap. Hercilio Rocha
Cmt. forças perseguição


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Estudo de Fontes... Cangaço

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Há ainda uma quantidade expressivíssima de documentação relacionada ao Cangaço soterrada em arquivos. Neles poucos se aventuram com luvas de latex e máscaras, e tempo e mais tempo folheando velhos jornais e abrindo antigas pastas, atrás dos dados e informações necessários à percepção da dimensão verdadeira do que foi o Cangaço.
Este fenômeno é comum em praticamente todas as áreas de estudos histórico-culturais.
Somente o Arquivo Público do Estado da Bahia avaliou, há pouco tempo, que cerca de 94% do seu acervo permanecem virgens.
E há muitos outros sítios de pesquisa e estudo.
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Abaixo, como exemplo, um pequeno documento inédito, um pedaço de um folheto apócrifo difundido em Salvador, em 1933, pela oposição ao governo:

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Transcrevendo:
CAMPANHA CONTRA LAMPEÃO

É o mais rendoso dos negocios que a revolução trouxe á Bahia. Lampeão, cujo bando tomou conta de todo o nosso nordeste, vem sendo combatido agora, e desde outubro de 1930, por cerca de tres mil e duzentos contos de réis. Elle, o terrivel facinora, costuma dizer:
– A mim os macacos respeitam. eu sou o pé de dinheiro delles.
A um sertanejo de Santo Sé, que lhe entregou 20:000$000 de economias e artigos de commercio, fanfarronou alegremente, segundo se vê no “O Estado da Bahia”: Preciso de dinheiro. Os tenentes da Bahia custam muito caro.
Os males que elle espalha são innumeros e conhecidos. Haverá quem diga:
- Os bens que elle fomenta não são tambem pequenos...
No correr da campanha o miseravel devastou e vae devastando, deixando–a, sem garantias de qualquer especie, a quarta parte do Estado.

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Bando em 1926

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Primeiro de pé, à esquerda, meio cortado, Antônio Ferreira.
Primeiro de joelhos, à frente, da esquerda para a direita, Virgulino Ferreira.
Segundo de joelhos, à frente, da esquerda para a direita, Mergulhão.
Terceiro de joelhos, à frente, da esquerda para a direita, Mormaço.
Quarto de joelhos, à frente, da esquerda para a direita, José Côco(?).
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Esta foto foi batida no mesmo dia e sítio que a foto referencial de Antônio Ferreira e Virgulino Ferreira:

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19 de setembro de 1926, no “Correio do Bomfim”

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19 de setembro de 1926, no “Correio do Bomfim”:
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Lampeão em scena!

O celebre bandido Lampeão, cuja historia é assignalada por crimes horriveis, accossado pelas forças de Pernambuco e Alagoas, entrou com o seu bando na Bahia, atravessando o S. Francisco nas alturas de Barrinha.
O Governo do Estado deu logo providencias a respeito, seguindo para aquella zona, por diversos pontos, fortes contingentes de policia.
Ouvimos que a incursão do bandido prende-se tambem á tragica lucta de familias importantes em Chorrochó, lucta que se desenvolve ha tempos, havendo encontros e mortes.
Parece, que, desta vez, será pacificada aquela infeliz região, pois a policia leva ordens severas.
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O sr. cel João Borges, Intendente de Uauá, hontem nesta cidade, recebeu de Curaçá desmentindo a incursão na Bahia do celebre facinora Lampeão com o seu bando.
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15 de setembro de 1926, no “A Tarde”

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15 de setembro de 1926, no “A Tarde”:
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É O FLAGELLO DOS SERTOES DO NORTE
Lampeão atravessa a fronteira bahiana
MAS A POLICIA EM NUMEROSOS CONTINGENTES, CORRE-LHE NO ENCALÇO


Lampeão é o typo do nosso bandido nordestino, vagamente romantico e religiosos até a superstição, matando e roubando com o rosario numa mão e o punhal na outra.
Em constantes razzias pelas regiões despoliciadas, constituem esses bandoleiros um flagello como são as seccas ou as enchentes, as febres epidemicas, males esses de origem commum, oriundos que são todos eles da nossa civilização defeituosa, da vagarosa e difficil penetração.
O sertanejo acceita-os todos, resignadamente, oppondo-lhes fraca resistencia, confiando na justiça e no amparo do governo, que nunca lhes falta, mas que por força da propria organisação politica, não é de molde a extirparl-os radicalmente, restabelecendo nesses rincões hostis, um regimen de ordem e continuada garantia do trabalho.
Lampeão, bandido a muitos annos, mas de celebridade recente, pode se orgulhar de un triste titulo – o de mais temido e poderoso pelo numero de capangas arregimentados, de quantos correm nos sertões do Nordeste. As suas victimas não mais numerosas que as figuras do seu bando. É esse salteador de estradas, rude e valentão, desconfiado e astuto, que dorme na campina, tendo o sellim por travesseiro, cheios de bentinhos e rezas cujo contato pensa absolver de todos os crimes – que acaba de invadir a Bahia, cahindo como uma tromba sobre as populações inermes, cujos haveres e vidas estão desgarantidos.
Immediatamente avisado, o chefe de Policia da Bahia não demorou em attender os appellos.
É claro que essas providencias por mais promptas fossem ordenadas, não evitarão os primeiros damnos, as primeiras lagrimas dos que assistem as scenas de vandalismo. Mas elles serão escorraçados como já teem sido de outros logares, até que melhor occasião se offereça para um cerco em regra, com a captura final.
A policia da Bahia, no particular, - e é justo que se diga – se moveu com uma presteza elogiavel.
O primeiro rebate veio de Santo Antonio da Gloria. Immediatammente partiram, com aquelle destino, um contingente de 100 homens, via ´Propriá, sob o commando do capitão Côrtes e mais dois, com menores efectivos, sob as ordens do tenente Alfredo Gomes e outro official. O governo utilizou assim novas forças, de preferencia a utilizar as do contingente do tenente-coronel Pedro, em outra missão qual a de combater os revoltosos e portanto subordinado ao commando supremo do general Mariante.
Ainda em defesa das populações ameaçadas por Lampeão, segue, hoje, um reforço de 100 homens, sob a direcção dos tenentes Hermogenes Pires e Othoniel dos Santos Lima.
UM APPELLO DESESPERADO
De Joazeiro, recebemos, hoje, mais o seguinte telegramma.
JOAZEIRO, 14 – Acabo de receber o seguinte telegramma de Curaça: “Positivo vindo de Orocó, diz que Lampeão está ali. Minha loja foi destruida. Grupo atravessando rio. Lampeão promette invadir Curaçá e outros pontos. Reina grande pavor. Resta confiarmos medidas urgentes do governo.” ( Do correspondente)
SANTO ANTONIO DA GLORIA JÁ ESTÁ TRANQUILLO
O sr. governador do Estado recebeu hontem esse despacho agradecendo as providencias tomadas:
“SANTO ANTONIO DA GLORIA, 14 – Em nome do commercio de do povo, agradeço a Vossencia a presteza das providencias para guarnecer esta localidade, contra a imminente invasão do bandido, estabelecendo a tranquilidade. A população está satisfeita com a disciplina modelar do bravo Capitão Arthur Côrtes. Saudações. – Heron Carvalho, Intendente.”
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14 de setembro de 1928, no “Diario de Noticias”

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14 de setembro de 1928, no “Diario de Noticias”:
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A presença de Lampeão, na Bahia, provoca noticias dos sertões
HA ESPERANÇAS DA SUA CAPTURA, EM SANTO ANTONIO DA GLORIA


A permanencia de Lampeão e seu grupo de malfeitores nos sertões do nordeste da Bahia dá logar a que continuem vindo de lá noticias a respeito da sua incursão e dos seus assaltos á propriedade alheia, formando um ambiente de terror em toda a zona, cuja população, seriamente sobresaltada, indaga da acção das forças policiaes dos Estados que estão no encalço do temivel bandoleiro.
É, realmente, de causar especie o nenhum resultado obtido pela policia destacada em perseguição do famigerado Virgolino erreira e seus sequazes que, constituindo um pequeno grupo, conseguem burlar os cercos e os ataques daquella, transpondo fronteiras, obtendo munições, invadindo propriedades e tudo fazendo para resistir aos combates dos seus eprseguidores, que, quando muito, declaram que travaram com elles tiroteios, sem outro resultado senão a apreensão de algumas munições abandonadas pelos bandidos em fuga.
E tão longe vae o tempo em que se iniciaram as providencias para a captura dos malfeitoes, que infelizmente, é geral a descrença da sua desapparição dos sertões do nordeste.

Noticias de Santo Antonio da Gloria

Recebemos, hoje, do sr. Acelino Barbosa, commerciante probo, em Santo Antonio da Gloria, uma missiva em que este distincto sertanejo nos dá noticia de Lampeão, referindo–se aos planos da policia bahiana destacada naquella zona.
Diz–nos o missivista:
“Os srs. 1° tenente Waldemar Lopes e 2° dito José Campos de Aragão têm desenvolvido uma actividade inconfundivel, não medindo sacrificios para a repressão do grupo do famigerado Lampeão, que ora se encontra no interior deste municipio, vindo do Estado de Pernambuco, onde, con seguinto ulludir a força estacionada em Tacaratú, sob o commando do sr. 2° tenente Optato, da Força Publica do mesmo Estado, atravessou o rio S. Francisco, no logar denominado Carurú, fronteira do nosso Estado.
Assim é que, no dia 26 do mês p.p., na Serra da Gangorra, houve um tiroteio das nossas forças com o grupo, caindo ferido um dos bandidos, sendo appreendidos diversos objectos, accrescendo ficar desnorteado, perdido em densa caatinga.
Espera–se que o exito seja infallivel, cabendo dest’arte a victoria, á Bahia.
O sr. Acelino Barbosa conclue a sua carta lamentando que o sr. Petronillo Reis, o fazendeiro em cuja propriedade esteve, ha dias, Lampeão, fingindo–se de sargento da policia pernambucana, – não tivesse prendido o bandoleiro e os seus terriveis companheiros de façanhas, á falta de força e munição para fazer effectiva a captura dos homens que são o terror do nordeste.
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14 fevereiro 2012

6 de setembro de 1928, no “Diario de Noticias”

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6 de setembro de 1928, no “Diario de Noticias”:
Lampeão
DESLISOU ENTRE OS SITIANTES, FARDADO DE SARGENTO DA POLICIA PERNAMBUCANA...

Preliminarmente: Virgolino não é cearense; é Pernambucano ou do Rio Grande do Norte.
É o que nos escreve, affirmando, o sr. J.Sampaio Barros, que faz questão de provar a naturalidade do clavinoteiro ambulante.
Lampeão, a estas horas, deve estar fugindo das caatingas da serra da Tranqueira, depois de deixar terras do Cumbe, perseguindo os fazendeiros locaes.
E sobre a sua estadia no Cumbe, estamos informados do seguinte episodio: certo dia, surgiu um grupo de praças, montadas e embaladas, de chapéos de feltro de abas largas, na fazenda do coronel X, o mesmo amigo e correligionario do senador Plinio Dantas;
Recebeu o coronel a caravana na “varanda” da fazenda, curioso, ao responder aos bons dias da tropa, de saber de quem s etratava.
– Somos, disse o chefe, um destacamento da policia de Pernambuco...
– Muito bem. Estão em diligencia?
– ... à procura do celebre Lampeão.
Queremos, por isso, pousada e, depois, armamento e munição.
O coronel mais confiado:
– É pena não poder servir aos camaradas. Armas e munições é o que me faltam.
E, lamentando:
– Infelizmente, porque gostaria de os auxiliar na prisão desse bandido Lampeão.
O destacamento saltou, amarrados os animaes, afrouxados os arreios, fez–se o almoço. Estomago cheio, depois duma prosa habil, o commandante da força pernambucana chamou á parte, o fazendeiro:
– Eu não gosto de enganar ninguem. O coronel tem vontade de ver Lampeão preso, esfolado ou morto. Pois eu sou Virgolino Ferreira – Lampeão.
– Ahhhhhh...
Mal poude gemer, o coitado.
Mas, não sofreu outro mal além do susto.
Lampeão minutos depois, “voava” em animaes da fazenda, mettendo–se como “almas de outro mundo” entre os sitiantes, rumo da serra mais estrategica e proxima, em demanda de Tranqueira, donde já se fez rumo á Serra do Meio.
O fazendeiro do Cumbe depois, botou a bocca no mundo telegraphando ao sr. chefe de Policia.
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O Combate de Uauá - Canudos


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Apesar de algo distante do evento do Cangaço, como alguns dos seus nomes chegaram a participar de ambos eventos, reproduzimos aqui algo do material relacionado à rebelião de Canudos.
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Relatório do Tenente Pires Vieira - Comandante da I Expedição Contra Canudos.
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"Combate de Uauá – Logo que chegamos ao arraial, no dia dezenove, mandei estabelecer o serviço de segurança, postando guardas avançadas nas quatro estradas que ali conduzem em distancia conveniente, afim de evitar qualquer surpreza; nomeei o pessoal de ronda, e conservei toda a força no acantonamento. O dia vinte passou-se sem nenhum incidente notavel, a não ser o abandona do arraial à noite, e furtivamente, por quase todos os habitantes. Das informações que colhi consta que assim procederam com receio da gente do Antonio Conselheiro. Inclino-me, porém, a crer que se achavam mancommunados com esta para atraiçoarem a força publica, como o fizeram, pois que até os poucos que ficaram no arraial não foram offendidos pelos bandidos, e garantiram-me antes do combate que ali não havia fanaticos, nem adeptos do Antonio Conselheiro; que este e o seu povo se achavam em Canudos, de onde não sahiriam, não obstante terem elles a certeza quando isso me affirmaram de que os mencionados bandidos se achavam a quatro léguas de distancia, dirigidos por Quimquim Coyam, e viram atacar a força na madrugada do dia immediato.
A’s cinco horas da manhã do dia vinte e um, fomos surprehendidos por um tiroteio partido da guarda avançada, colocada na estrada que vae ter a Canudos. Esta guarda, tendo sido atacada por uma multidão enorme de bandidos fanaticos, reistiu-lhes denodamente, fazendo fogo em retirada. Por essa occasião o soldado da segunda companhia Theotonio Pereira Bacellar, que por se achar muito estropeado não poude acomlpanhar, a guarda foi degolado por um bandido. Immediatamente, dispuz a força para a defensiva, fazendo collocar em distancia conveniente do acantonamento uma linha de atiradores, que causou logo enormes claros nas fileiras dos bandidos.
Estes, não obstante, avançaram sempre, fazendo fogo, aos gritos de viva o nosso Bom Jesus! Viva o nosso Conselheiro! Viva a monarchia! etc., etc., etc, chegando até alguns a tentarem cortar a facão os nossos soldados. Um delles trazia alçada uma grande cruz de madeira, e muitos outros traziam imagens de sanctos em vultos. Avançaram e brigaram com incrivel ferocidade, servindo-se de apitos para execução de seus movimentos e manobras. Pelo grande numero que apresentaram foram por algumas praças calculados em tros mil! Há, porém, nisso exagero, proveniente de erro de apreciação; seriam uns quinhentos, mais ou menos, os que nos atacara, divididos em varios grupos, que procuravam envolver a nossa força e apoderar-se do arraial, o que não conseguiram devido às energicas providencias que tomei, effecazmente auxiliado pelos officiaes e a disciplina das praças. Conseguiu, entretanto, grande numero delles, apoderar-se de algumas casas abandonadas, que se achavam desguarnecidas por insufficiencia da força e de onde nos fizeram algum mal, mas, sendo necessario incendiar as dictas casas, afim de desalogja-los, o que conseguimos depois de alguma trabalho.
Chegados a esta phase do combate, depois de mais de quatro horas de luta, conhecendo que elles já se achavam desmoralizados, pela dificuldade com que respondiam, ao nosso fogo, e porque já tentavam fugir, passei a tomar a offensiva, e fiz perseguil-os até meia legua de distancia, morrendo muitos delles nessa occasião, e ficando o resto completamente desbaratado. Não levei mais longe a perseguição e mandei toca a retirar, por constar-me, achar-se um grande reforço delles um pouco adiante, e por estar a nossa gente cançada e sem alimentar-se desde a véspera. Além disso cumpria-me reunir os elementos que me restavam, afim de resistir a uma nova aggressão que porventura se desse. Seria pouco mais ou menos meio dia, quando terminou essa luta, com o regresso de nossas praças ao acantonamento, sem que durante a perseguição tivesse soffrido prejuízo algum. Na phase mais aguda do combate, houve fogo incessante e renhido de parte à parte, durante mais de quatro horas. Todos os officiaes, inferiores e praças portarem-se nessa emergência com um heroísmo e uma disciplina sem par, o que muito concorreu para seu bom exito, faltando-me palavras com que possa exprimir o procedimento nobre, correcto e enthusiasmador de que deram exhuberantes provas, honrando assim a corporação a que pertencemos.
Os inimigos deixaram no campo e dentro das casas que occupavam mais de cento e cincoenta cadaveres, sendo incalculavel o numero de feridos que tiveram e dos que foram morrer pela estrada, ou dentro das catingas. As nossas perdas foram aliás insignificantes quanto ao numero, sendo, porém, dolorosamente sensíveis e lamentaveis, por terem sido victimados pelas balas dos bandidos o distincto e temerario alferes Carlos Augusto Coelho dos Santos, o bom e destemido segundo sargento Hemeterio Pereira dos Santos Bahia, os valorosos cabo de esquadra Manoel Francisco de Souza, anspeçada Antonio Joaquim do Bomfim, soldados Herculano Ferreira de Araujo, Victorino José dos Santos e João Chrysostomo de Abreu, além do já mencionado Bacellar, que foi degollado no começo da ação, tendo sido assim a primeira victima. Ficaram feridos: gravemente - cabos de esquadra Cesario João dos Santos, Manoel Antonio do Nascimento, Pedro Leão Mendes de Aguiar, anspeçadas Tiburtino de Oliveira Lima, Minervino Bello da Cruz, soldados José Antonio Moreira, Casemiro de Freitas Passos, João Ferreira de Pinho e Virgilio Manoel dos Reis; levemente - cabos de esquadra Athanazio Felix de Sant'Anna e Salustiano Alves de Oliveira, anspeçadas João Evangelista de Lima e Raphael Pereira Cardoso, soldados - Antonio Bispo de Oliveira e Feliciano José dos Santos. Faleceram, tambem na luta, os paisanos Pedro Francisco de Moraes e seu filho João Baptista de Moraes, que nos serviam de guias, e que se portaram com galhardia na ocasião do combate, juntando-se à força e enfrentando os bandidos. Eram ambos casados e deixaram familia sem recursos. Perdemos, portanto, um oficial, um inferior, um cabo de esquadra, um anspeçada e quatro soldados, que com os dois paisanos guias dão um total de dez homens mortos no referido combate. Me cumpre ainda notar que alguns casos de morte se deram por excessos de bravura, praticados pelas victimas que se expunham sem necessidade ás balas do inimigo. Os cadaveres do official e das praças foram cuidadosamente sepultados na capella do arraial, os dos bandidos ficaram insepultos por não dispormos de tempo, pessoal, nem dos instrumentos necessarios para o enterramento delles. Fomos forçados a retirar para Joaseiro, na tarde do mesmo dia do combate, não só para evitar o mal que poderia advir da decomposição de tantos corpos, como tambem pela falta de viveres e outros recursos em Uauá.
Os bandidos estavam armados em grande parte com carabinas Comblain e Chuchu, outros tinham bacamartes, garruchas e pistolas, e quasi todos traziam, além das armas de fogo, grandes facões, foices e machados. O dr. Antonio Alves dos Sanctos, medico adjunto do exercito, que acompanhou a força, prestou -reas serviços durante o combate, tratando as praças feridas com interresse e desvelo, mostrando-se na altura da humanitaria missão que lhe fôra confiada; tendo, porém, depois de terminada a luta apresentado symptomas de desaranjo mental, entreguei os feridos logo que cheguei ao Joaseiro aos cuidados do facultativo civil dr. Antonio Rodrigues da Cunha Melo, que se encarregou do tratamento, fazendo-o com dedicação, solicitude e interesse, operando até algumas praças, no que foi auxiliado pelo cirurgião dentista Brigido Pimentel, que muito se prestou durante alguns dias com incansavel zelo.
Armamento
Fuzil Mannlicher, de que se acha ainda armado o batalhão, comquanto seja de repetição e de grande alcance, com seu projectil dotado de uma força de penetração extraordinaria, e dando ao tiro uma justeza admiravel, comtudo não compensa com essas bôas qualidades, alliadas a muitas outras que possui, o prejuizo resultante da extrema delicadeza de seu mecanismo que facilmente se estraga, ficando o fuzil reduzido a simples arma branca, quando adaptado no extremo do cano o componente sabre-punhal. Basta um pouco de poeira ou um simples grão de areia, introduzido na camara, para que não possa o ferrolho funccionar. Acontece, além disso, que com o fogo um pouco prolongado os carregadores não podem entrar no deposito com o numero de cartuchos regulamentar, dilata-se o aço do cano que, aumentado de diametro, difficulta a introducção dos cartuchos para o tiro simples, não podendo a arma funccionar como as de repetição. Dahi um grande numero de armas incapazes para o seu mister na ocasião opportuna, como aconteceu no combate em que tive de tomal-as das mãos das praças, afim de ver si conseguia fazel-as funccionar, sendo infructiferos todos os esforços nesse sentido. Mesmo em muitas das armas que funccionavam, o extractor, peça de grande delicadeza, perdia a necessaria justeza e enfraquacia a móla, deixava de extrahir o cartucho, que tinha de ser extraido á mão, o que prejudicou a rapidez do tiro. Esse armamento não convém ao nosso exercito, por não dispor ainda este de meios de transporte facil, rapido e commodo, de que dispoem os exercitos europeus; não merece a confiança dos officiaes, nem das praças que delles se utilizam, por não poderem contar, com segurança, com seus bons effeitos numa emergencia qualquer. Não obstante os assiduos cuidados que tive pela boa conservação do armamento das praças, pois que como é intuitivo do estado delle dependeria, em grande parte, em uma dada circumstancia, a victoria ou derrota de nossa força, ainda assim tive o desprazer de observar o que venham de referir. Durante o combate muitas armas flcaram tambem inutilizadas por outros motivos, umas perderam os respectivos ferrolhos que saltaram com a violencia do choque na defesa á arma branca, outras tiveram as coronhas partidas a talho de fação ou por balas; algumas ficaram com a camisa do cano inutilisada por bala, muitas seus sabres punhais, e ainda outras com os depositos arrebentados. A poeira e as escabrosidades das estradas, o calor de um sol abrasador e insupportavel, as condições em que foram feitas as marchas, sem commodidade de ordem alguma, tudo isso, frustrando os meus previdentes cuidados, deram o resultado acima apontado. Acontece ainda que essas armas que serviram na campanha de S. Paulo e Paraná, em mil oitocentos e noventa e quatro, já se achavam bastante usadas, tendo a mór parte dellas soffrido concertos. Outras fossem as condições de resistencia e solidez de seu mecanismo, e melhor teria sido o resultado obtido na luta.
Fardamento
O das praças que compuzeram a força de meu commando ficou bastante estragado, em estado mesmo de não poder continuar a servir, devido a acção dos raios solares, da chuva e da poeira, e ainda do uso constante que delle fizeram, por necessidade, pois que não só marchavam, como dormiam com elle, á noite, sobre o solo nú e barrento das estradas, pela falta de barracas; e também pela necessidade de conservar-se a força sempre em armas em sitios cuja topographia nos era desconhecida, e onde não podiamos fiar em informações adrede preparadas, com o intuito de nos illudir. Muitas praça tiveram ainda algumas peças de seus uniformes, perdidas por completamente inutilizadas, como fossem tunicas de flanella cinzenta e calça de panno garance, rasgadas pelos galhos das arvores e espinhos das picadas, estrada, etc. Algumas perderam na marcha as gravatas de couro, ourtas tiveram no combate os gorros e os capotes crivados de balas ou cutilados a facão, em farrapos e ensanguentados. Ainda outros perderam os gôrros, levados pelas balas. O calçado incapaz de resistir a uma marcha tão longa, e por tão maus caminhos, estragou-se, ficando um grande numero de praças descalças.
Disciplina
Foi mantida em toda sua plenitude, sem que tivessem havido, infracção alguma digna de nota, durante todo o periodo de meu commando.
Quartel da Palma, na Bahia, 10 de dezembro de 1896 - Manuel da Silva Pires Ferreira, tenente.
"
(Apud Aristides Milton, 1902, p.35)
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Trazido de:
http://www.umbuzada.com/canudos.php
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10 fevereiro 2012

27 de agosto de 1928, no “Diario de Noticias”

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27 de agosto de 1928, no “Diario de Noticias”:

Lampeão!

O famoso bandoleiro, no sertão da Bahia, está perseguido por forças pernambucanas

RECIFE, 26 – Argos – Ha tempos, Lampeão se homisiara em Alagoas, vivendo as forças que, no sertão, o perseguiam por toda a parte, em communicações constantes entre o chefe de policia e o capitão Lucena, commandante da sforças volantes alagoanas.
Isso attesta, com data de 19, o telegramma recebido pelo chefe de policia e que dizia que Lampeão se achava, ha 16 dias, na Fazenda Gravatá, em Alagoas, tendo aquella autoridade logo expedido ordens ás forças pernambucanas para perseguirem o grupo.
Acossado pela perseguição, Lampeão deixa Gravatá, em Alagoas, tendo aquella autoridade logo expedido ordens ás forças pernambucanas para perseguirem o grupo.
acossado pela perseguição, Lampeão deixa Gravatá e penetra em Pernambuco, tendo passado, segundo telegramma, hontem recebido pelo chefe de policia, para a Fazenda Varzea Redonda, no municipio de Tacaratú, em Pernambuco.
Dahi, rumou para a Bahia, tendo o chefe telegraphado ao tenente Optato e ao sargento João Petronillo, commandantes volantes pernambucanos, para perseguirem com suas forças o bandido, penetrando mesmo na Bahia, contanto que Lampeão seja capturado.
Tambem nesse sentido foi enviado um telegramma ao chefe de policia da Bahia, a fim de que seja mais efficiente a perseguição ao famigerado faccionora.
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07 fevereiro 2012

Bernardino Madureira de Pinho

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Bernardino Madureira de Pinho nasceu a 30 de agosto de 1879, filho de Virgílio Tourinho de Pinho e Mariana de Senna Madureira.
Em fevereiro de 1893, ainda menino, discursou, no Teatro Politheama, em Salvador, pedindo a Ruy Barbosa para realizar uma conferência no Theatro São João, em benefício de 50 órfãs do Asilo de Nossa Senhora de Lurdes de Feira de Santana.
Apreciador da Antiguidade Clássica, deu aos seus filhos os nomes de Demósthenes,Péricles e Demades.
Bacharel em Direito, fez campanha presidencial para o mesmo Ruy Barbosa.

1905
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data ignorada
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Participou com Ruy Barbosa do seu périplo pelo sertão baiano, em 1919. Quando este esteve em Senhor do Bonfim, em 5 de dezembro de 1919, acompanhou-o, aparecendo na foto à entrada do palacete em que se hospedaram, pertencente, então, ao coronel Antonio Felix Martins.
Madureira de Pinho é o calvo de bigode, à direita, na foto.
Acompanham-no nesta fotografia também, além de Ruy Barbosa, Antonio Felix Martins, Salustiano Figueiredo, Cordeiro de Miranda e Francisco Esteves da Silva.

1919
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Foi nomeado Secretário da Polícia e segurança Pública, pelo Governador Góes Calmon, em agosto de 1925, permanecendo no governo Vital Soares.
Foi o nomeador e grande apoiador dos comandantes militares na estratégia baiana de confronto ao Cangaço.
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1925
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Nessa missão, preparando a região nordeste da Bahia para o embate, visitou-a, encontrando-se na mesma quando do ataque de Lampeão a Itumirim - Juacema.
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O segundo de pé, da esquerda para a direita, o Secretário de Segurança da Bahia, Madureira de Pinho, em visita a Itiúba, ciceroneado pelo coronel Aristides, que aparece na fileira de trás, no centro.
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Nelson Pinto, em palestra sobre sua Biografia, no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, quando do centenário do seu nascimento, a modo de “Elogio”, lançou:
“LAMPEÃO era um fruto do Nordeste brasileiro e, no seu tempo, tudo no sertão era seu aliado: a topografia, a distância, a caatinga, o pavor das populações, a falta de estradas e de transportes etc., etc. Basta que se registre que MADUREIRA “não poupou sacrificios, numa luta que não dependia da eficiência das autoridades policiais”. Igualmente, foram “notórias as qualidades de resistência, de arguta inteligência e de bravura do soldado baiano”.”
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Madureira de Pinho - 11 de outubro de 1926, no “A Tarde”
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O avanço dos eventos da Revolução de 1930, fez com que se exonerasse, “a pedido”, em 8 de outubro de 1930, sendo substituído pelo bacharel em Direito Francisco Prisco de Souza Paraíso.
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1930
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Preso e processado pelos vitoriosos, após liberto, reintegrou-se apenas moderadamente na vida social e política baiana.
Desestimulado a permanecer na Bahia, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde já viviam seus filhos.
Faleceu a 15 de maio de 1950.
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