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Um dos principais problemas, para alguns eventos do Cangaço, é referenciar corretamente onde ocorreu.
O Massacre de Brejão da Caatinga, em que morreram o cabo Antônio Militão da Silva e os soldados Pedro Santana, Cecílio Benedito, Manoel Luís de França e Leocádio Francisco da Silva, ocorreu na manhã de 4 de julho de 1929.
Sua localização, e função da duplicidade de nomes, pois aparece citado como Brejão de Dentro, antiga denominação, e Brejão da Caatinga, mais recente, pode ser dificultada.
Aqui, a localização da localidade, em relação ao município-sede e a outras cidades.
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Outro ponto é a visualização das condições da localidade quando do evento.
A visão atual foge demasiadamente às condições à época.
Abaixo, atualidade e o resgate aproximado da situação quando do massacre.
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A ambiência era, realmente, muito diferente da atual. A antiga aglomeração de casinhas de tijolinhos de adobe, barro prensado ou palha trançada, com cobertura de tabúa (um junco), não guarda relações com a atualidade.
Houve um processo de melhoria das casas, com redistribuição, na sua urbanização.
Abaixo, uma visão atual e uma tentativa de resgate do visual da localidade, que realizei, tentando fornecer uma melhor imagem para a reconstituição do evento.
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O local original de sepultamento dos soldados aparece na imagem. Mas seus restos foram, pouco depois, transladados para Campo Formoso, autopsiados e inumados no cemitério local. Mais tarde, suas covas rasas foram reutilizadas e seus restos se perderam.
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Abaixo, o excelente texto de Leonardo Mota, contemporâneo do evento, em uma crônica, contando-nos como tudo se deu.
Foi reproduzido por Plinio Bartolotti, em seu blog, assim como outros eventos do Cangaço:
http://blog.opovo.com.br/pliniobortolotti/tag/leonardo-mota/
Aqui o trazemos para o nosso blog, a partir daquele.
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Leonardo Mota
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O cabo Militão
Foi uma tarde pressaga aquela em que na fazenda “Corituba”, de Sergipe, Ezequiel, irmão de Virgolino, com este se desaveio e o desafiou para uma luta, a punhal, injuriando-o com os epítetos de cego frouxo, fazedor de mal a moças donzelas, ladrão de beira-de-estrada, dador de surra em homem desarmado e cabra covarde que só tem fama por via dos companheiros… Devido à oportuna intervenção de Corisco e de Pai Velho, um duelo fratricida se não verificou. Mas, desde esse dia, Lampião passou a se mostrar taciturno e se tornou ainda mais irascível e cruel. O olho direito, que ele tem cego e esbranquiçado, estava sempre lacrimoso e isso neurastenizava e enfurecia o celerado.
Por outro lado, Virgolino sentia que a maioria do bando não recebera bem a sua decisão contra Corisco, no incidente deste com Volta Seca. Fôra o caso que, dias antes, estando Volta Seca a torturar uma pobre velha, cujo rosto já arranhara com o punhal, Corisco o repreendeu e, como o perverso insistente na sua maldade, Corisco pespegou-lhe uma bofetada que o atirou, desacordado, ao chão. Virgolino metera-se entre os dois, mas desgostara Corisco, em lhe não reconhecendo razão. Só por estarem atropelados mui de perto pela polícia, os cangaceiros não se separaram, fragmentando o grupo. Tais ocorrências obrigavam Virgolino a procurar escaramuças que dissiassem o mal-estar que ensombrava os ânimos da malta. Fazia-se mister que a luta novamente os solidarizasse.
A 29 de junho do ano passado, quando todo o sertão baiano guardava, tranquilo e feliz, o dia onomástico de São Pedro, Virgolino, a três léguas do arraial Várzea da Ema, do município de Curaçá, assaltou a fazenda “Formosa”, de propriedade do Cel. Petronilo Reis. Aí incendiou duas casas e, afora outras depredações, matou, a faca, três vacas de leite e cento e sessenta e oito (168) ovelhas que encontrou presas num curral. Em seguida, fez juntar grande ruma de esterco, empilhou sobre ela as reses e lanígeros abatidos e ateou fogo ao sinistro montão de animais sacrificados. Por muitos dias um cheiro nauseabundo de carnes podres e queimadas empestou as redondezas da fazenda reduzida a ruínas.
Após a selvajaria desses desatinos, Lampião partiu com o seu séquito, declarando na fazenda “Curundundu” que ia desgraçar a vila de Uauá. Então, perseguia-o mais de perto a volante comandada pelo Tenente Arsênio Alves de Sousa. Verdadeira marcha batida, em a qual, sem descanso, os cangaceiros venceram trinta e uma léguas e a polícia vinte e quatro.
Foi assim que Lampião logrou escapar aos que se lhe haviam escanchado no rastro: perto da fazenda “Lagoa Escondida”, numa bifurcação da estrada, rumou para a direita, indo pernoitar a 30 de junho, em Poço de Fora, iludindo, pois, o contingente policial que prosseguiu pela esquerda, a fim de entrar pelo lado sul de Uauá.
Auxiliado por sequazes incorporados à sua alcatéia em território baiano e perfeitos conhecedores da região, Virgolino novamente deu às de vila-diogo na madrugada de 1° de julho, empreendendo um raid ainda mais exaustivo e ousado. Egresso das caatingas e grotões, o bandoleiro-fantasma teve a audácia de voar sobre Itumirim, onde chegou ao lusco-fusco do dia 2, depois, em trinta e seis horas, haver vencido quarenta e cinco léguas! Aí reduziu a cinzas a estação ferroviária, cortou as comunicações telegráficas com a localidade, bebeu à farta e tentou formar um samba na casa da… Escola Pública. Mas, medroso de uma surpresa dos seus perseguidores, arribou logo mais e foi refugiar-se, durante o resto da noite, na Serra dos Morgados. O dia 3 assinalou o seu assalto à fazenda “Piabas” e o seu pernoite no lugar “Buraco d’Água”.
Coincidiram tais fatos com a fuga de cinco soldados criminosos, recolhidos à cadeia de Bonfim. Esses fugitivos, em bilhete irônico e malcriado que deixaram ao Capitão José Galdino, avisavam que se iam reunir a Lampião.
Em atividade, no encalço dos detentos foragidos, a manhã de 4 de julho veio encontrar os destacamentos da zona.
Procedentes de Campo Formoso, o Cabo Antônio Militão da Silva e os Soldados Pedro Santana, Cecílio Benedito, Manoel Luís de França e Leocádio Francisco da Silva pararam em Brejão de Dentro e ali aguardaram a chegada de outros companheiros, por ser aquele o ponto combinado de junção das forças.
Como devessem dali ingressar na região de Gruna, penetrando em lugares insidiosos e de penoso acesso, “lugares esquisitos”, como eufemicamente por lá se diz, os soldados abandonaram as armas e aproveitavam o tempo de espera, escrevendo bilhetes para suas famílias em Campo Formoso, dando-lhes conhecimento da direção que iam tomar. Estavam todos no interior da residência de Alfredo Monteiro e, fora, o Cabo Militão consertava os loros de uma montaria. Seriam onze horas da manhã.
Em dado momento, Militão avistou longe, na estrada, diversos homens armados e avisou: – Lá vêm nossos camaradas! E continuou, despreocupadamente, no reparo dos arreios. Também as praças não tiveram a curiosidade de ver quem era que se aproximava. A estrada faz uma curva fechada e vem desembocar abruptamente junto à casa, motivo por que Militão logo perdeu de vista os indivíduos que julgou serem soldados.
De súbito, o troço aparece. Num ápice, saltam das selas Lampião, Volta Seca, Ezequiel, Pai Velho, Corisco, Arvoredo, Moderno, Esperança, Moirão, Gato, Pernambuco e Labareda. Virgolino já está intimando o Cabo Militão:
- Se prepare, cabra, se prepare pra apanhar!
- PRA APANHAR, NÃO, QUE EM HOMEM NÃO SE DÁ: – HOMEM SE MATA!
- Apois, então, tire a cartucheira, que é pra não melar de sangue!
Mas não findara o curto diálogo entre Virgolino e Militão e já Volta Seca desfechava neste um tiro de Parabellum no ouvido.
Com o estampido, acorrem os soldados, atordoados e sem os fuzis, e são recebidos por uma saraivada de balas, quase a queima-roupa. Um deles tomba, tendo como arma nas mãos a caneta com que inconscientemente estava a mandar o derradeiro adeus à família. Outro, o único que logo não caiu, baleado que fôra ligeiramente num braço, retrocede à casa e procura refugiar-se numa alcova. Cerrada descarga atravessa a porta, prostrando-o morto pelas costas. Muitos outros disparos alvejam ainda os moribundos, um dos quais escabuja e é sangrado. Esse infeliz chegou a receber no corpo nove balas. Tudo isso não durara mais que instantes.
A horda penetra na casa e Lampião, não saciado, indaga se não resta escondido por ali mais algum macaco do gunvêrno. Alfredo Monteiro responde negativamente e implora compaixão para si e para os seus. Lampião grita-lhe que nunca mais dê rancho a macaco e volta ao terreiro. Dá um pontapé no cadáver de Militão e arranca-lhe do braço as divisas de cabo, presenteando uma das fitas a Moderno e outra a Arvoredo. Este lastima que nenhum dos mortos usasse bigode comprido: é que ele queria torar e amarrar na fita, mode enfeitar o rabo do cavalo em que vinha montado… Ezequiel vasculha os bolsos dos soldados. Tal busca de dinheiro resulta infrutífera e o miserável desanda na torpeza duns insultos pornográficos.
Estarrecido, o dono da casa pergunta que deve fazer com os cinco cadáveres. Virgolino sacode os ombros:
- Querendo, enterre; não querendo, deixe os urubus comer!
Pai Velho saúda com uma risada o dito de sarcasmo do chefe feroz.
Lampião pede cachaça, cachaça muita que dê pra ele e a “rapaziada” festejarem a caçada do dia.
Alfredo Monteiro, receoso de ter de testemunhar nova chacina, adverte que outra força de polícia está a chegar. Virgolino exalta-se e deixa a esses policiais um recado obsceno. Depois, olha raivosa e tigrinamente as suas cinco vítimas e ordena a Alfredo Monteiro que enterre os peste todos numa cova só, sob pena dum ajuste de contas em regra, noutra visita inesperada. Alfredo Monteiro promete que assim fará e pede licença para ir buscar a aguardente. Lampião diz que não quer mais…
Todo o grupo torna a montar.
Nisso, o soldado Cecílio Benedito, nos últimos estertores, bole ligeiramente com um pé. Lampião observa o movimento e saca, de novo, a pistola:
- O diabo deste “macaco” inda está se mexendo? Macaco mexeu, quer chumbo…
E, mesmo montado, desfecha-lhe um tiro na cabeça, que lhe arranca parte do frontal.
E esporeando as alimárias, a cantar alegremente o “É lampa… é lampa…”, os Cavaleiros do Crime galopam, fugindo pusilânimemente a um encontro com os policiais esperados.
Quando o tropel da cavalhada e a toada do hino de guerra de Lampião não se faziam mais ouvir, foram se reabrindo as casas do Brejão e das portas e janelas umas cabeças assustadas perscrutavam se o vilarejo já encontra restituído à sua quietude e pacatez.
Alfredo Monteiro, de olhos marejados, estava a espantar uns cães famintos que lambiam o chão inda rubro, aqui e ali, do sangue dos cinco mártires do banditismo nefando.
O sol pompeava, na sua escalada para o zênite.
O Cabo Militão tinha os olhos esbugalhados para o céu, como a indicar que aquele cuja firmeza de olhar não se curvara ante a crueldade vilã do Rei do Cangaço também era capaz de fitar o sol, o grande sol flamejante dos sertões!
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Blog destinado à preservação da memória do Cangaço na Bahia, em todas as suas dimensões e extensões.
25 setembro 2011
23 setembro 2011
Raymundo, da Lagoa do Lino
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Uma personagem que desapareceu da História do Cangaço é a do senhor Raymundo, da antiga Fazenda Lagoa do Lino...
Quando as volantes dos então sargentos Fernandes e Zé Rufino chegaram à sede da fazenda, capturaram a sua dona, dona Cylira, e seu filho, Raymundo, então com 25 anos. Exigiram que informassem onde os cangaceiros estavam.
Raymundo sabia, mas disse que não poderia contar, pois os cangaceiros haviam dito que matariam todos os seus parentes se não contasse... além de arrasar sua pequena propriedade.
Amarrado, Raymundo foi pinicado a facão, faca e canivete. Não contou nada, apesar da tortura.
Os policias só conseguiram chegar aos cangaceiros devido à indicação de uma menina, Maria Preta.
Partiram para executar Azulão, Zabelê, Canjica e Maria Dórea.
Deixaram para trás o fazendeiro que, por medo de vingança, somente a poucos contou algo do seu drama.
Acima, uma foto do "Raymundo, de Cylira", já idoso:
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